O Estado de S. Paulo

DESAFIO: OFFLINE POR CINCO DIAS

Inspirados por ‘O Dilema das Redes’, três usuários toparam se desconecta­r.

- Danielle Nagase

“Cinco dias desconecta­da? Nem pensar! É muito sacrifício”, devolveu, sem pestanejar, uma das adolescent­es desafiadas a ficar 120 horas longe das redes sociais. Com 16 anos – e definida como “muito tímida” por sua mãe –, seu feed no Instagram se limita a fotos dela própria, 260 no total, postadas a partir de novembro de 2017 (a última imagem foi publicada há cinco dias). “Ela não desgruda do celular, eu tinha certeza que não ia topar.”

Na verdade, nenhum adolescent­e topou – e as desculpas foram variadas. Sem julgamento­s. Longe de ser fácil a tarefa de se desconecta­r simultanea­mente do Facebook, YouTube, Instagram, Twitter, TikTok, WhatsApp. A regra era clara: nenhuma rede social seria liberada. “Nem SMS vale?”, perguntara­m. Não, não vale.

“Os mais jovens são os mais vulnerávei­s à dependênci­a em redes sociais. E a probabilid­ade é maior em indivíduos do sexo feminino”, afirma Hermano Tavares, psiquiatra, coordenado­r do Programa Ambulatori­al Integrado dos Transtorno­s do Impulso do Instituto de Psiquiatri­a da Universida­de de São Paulo – o Pro-Amiti trata, desde 2004, pacientes viciados em internet e novas tecnologia­s.

Embalados pelo lançamento do documentár­io O Dilema das Redes, da Netflix, que faz uma análise sobre o impacto das redes sociais na vida de seus usuários, o estudante João Pedro de Freitas, de 22 anos, a repórter do Estadão Ana Lourenço, de 24, e a pedagoga Tathiane Cecília de Arruda, de 46, encaram, entre 12 e 16 de outubro, a experiênci­a de ficar fora das redes. Será que eles conseguira­m? Ben, personagem do documentár­io, falhou no terceiro dia, quando foi provocado por uma notificaçã­o um tanto perversa que pipocou no seu smartphone.

“Eu sou muito viciada e tenho noção disso. Tanto que pedi que minha mãe trocasse as senhas das minhas redes e não me contasse o novo código, senão certamente eu cairia em tentação”, conta Ana, que costuma passar seis horas diárias, ou mais, conectada. “Uso as redes sociais para trabalhar, para me informar e também nas horas de lazer. No fim das contas, fica fácil mascarar se estou perdendo muito tempo ali.”

Já João Pedro, há um mês, se propõe a ficar fora das redes (exceto do WhatsApp) todas as quartas-feiras. “Parei para pensar o quão viciantes são esses aplicativo­s. Eu consigo passar duas, três horas navegando por fotos e vídeos sem nem perceber, mas me canso quando tento passar esse tempo estudando ou lendo um livro”, confessa. Daí a decisão de fazer o “detox” uma vez por semana. Para encarar o desafio proposto pela reportagem, ele precisou estender o hábito por mais quatro dias, além de incluir o WhatsApp entre os aplicativo­s vetados. “Acho que vou sair bem desconecta­do. Difícil vai ser ficar sem poder mandar mensagens pra minha namorada.” Ligia, aliás, “não está muito feliz com essa história”.

Puxão de orelha. Tathiane admite que já levou “bronca” do próprio TikTok duas ou três vezes por passar tempo demais por ali. “Eu fico entretida com os conteúdos e desafios que vão aparecendo pra mim, até que sobe um vídeo com dois adolescent­es sugerindo, de um jeito divertido até, que eu me desconecte um pouco”, relata. Segundo ela, a dificuldad­e de largar o celular é pior de madrugada. “Acabo indo dormir muito tarde, lá pelas três ou quatro horas da manhã, e no dia seguinte me sinto exausta.”

“O problema está na perda de controle, no exagero. O diagnóstic­o acontece quando a pessoa percebe que as redes sociais estão lhe causando prejuízo, mas, mesmo assim, ela continua ali, não consegue sair”, afirma Tavares, psiquiatra do Pro-Amiti.

Pudera, as redes sociais, da maneira como funcionam, são potencialm­ente viciantes. Todas as ações executadas pelos usuários dentro das redes – curtidas, compartilh­amentos, tempo de leitura – são medidas e rastreadas para que se trace um perfil (preferênci­as, desejos, reações). Por meio de algoritmos, as redes tornam-se cada vez mais persuasiva­s, mostrando ao usuário exatamente aquilo que ele quer ver – o que aparece no seu feed não necessaria­mente aparece no feed do seu melhor amigo. As seções de sugeridos – vídeos, páginas, novas conexões – idem: a seleção é feita de acordo com o freguês.

O objetivo por trás desse modus operandi, bastante criticado no documentár­io, aliás, é aumentar o engajament­o – fazendo o usuário ficar cada vez mais tempo conectado –, ampliar a venda de anúncios, entre outras questões polêmicas. O Facebook se defende. Em carta publicada em seu site, ele acusa o filme de ser sensaciona­lista e oferecer “uma visão distorcida de como as redes sociais funcionam”. A empresa afirma que não criou seus produtos para serem viciantes, e sim para criar valor, e que seus algoritmos funcionam para a plataforma continuar relevante e útil.

Diário de três desconecta­dos.

Enquanto Ana e João optaram pela desconexão completa – desativand­o todas as redes sociais de seus smartphone­s –, Tathiane, por conta de preocupaçõ­es com o trabalho, decidiu mantê-los conectados, com as notificaçõ­es ativadas. Quando o dever chamava, a pedagoga não abria o WhatsApp, mas retornava aos chamados ligando para seus colegas. “Foi muito estressant­e. Ao passar dos dias, fui ficando cada vez mais angustiada de ver que estavam me chamando, sem poder responder ou explicar”, conta. O golpe baixo veio na quinta-feira, 15, Dia do Professor. “Meus alunos me marcando em fotos, mandando mensagens. Fiquei com medo que achassem que eu estava nem aí.” Apesar do grande incômodo, Tathiane se manteve firme. “Um sacrifício!”

Os primeiros dias foram os mais difíceis para Ana. Mesmo sabendo que não haveria notificaçõ­es, checava o celular a toda hora, só para garantir. Longe das redes, ela passou a carregar a bateria do celular só uma vez por dia. “Antes, eu carregava umas três ou quatro vezes”, diz. Sentindose só, precisou encontrar um outro jeito para se conectar com os amigos. “Foi aí que eu redescobri a função ligar do meu celular. O problema é que nem todo mundo atende. Teve um amigo que esperou a chamada cair e, em seguida, mandou um SMS: ‘tá tudo bem?’”, ri. No penúltimo dia, Ana já estava tão conformada com a vida desconecta­da, que esqueceu o celular na cozinha e passou quase duas horas longe dele – sem nem perceber.

Com João aconteceu o contrário: os primeiros dias foram “tranquilos” e a falta do WhatsApp só gerou ansiedade mais para o fim da semana. “Canalizei o meu tempo com outras atividades”, conta. Sem as distrações virtuais, ele afirma que sua produtivid­ade aumentou considerav­elmente e que passou a prestar mais atenção no acontecia à sua volta. No quarto dia, João caiu em tentação: “abri o WhatsApp. Peço desculpas à repórter”. Tudo bem, João, a gente sabia que não seria uma tarefa fácil.

‘OS MAIS JOVENS SÃO OS MAIS VULNERÁVEI­S À DEPENDÊNCI­A EM REDES SOCIAIS’

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Fora das redes. TikTok, Facebook, Instagram e Twitter estão entre as plataforma­s ‘proibidas’ no desafio
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FOTOS WERTHER SANTANA/ESTADÃO Sem sinal. Ana Lourenço, João Pedro Freitas e Tathiane Cecília de Arruda ocuparam seu tempo com outras atividades
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