O Estado de S. Paulo

O risco pós-covid

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Ogoverno está encrencado, com dinheiro curto e grandes empréstimo­s perto de vencer. Passado o choque da pandemia, os objetivos pessoais do presidente são a maior ameaça às contas públicas.

Ogoverno está encrencado, com dinheiro curto, grandes empréstimo­s perto de vencer, Orçamento emperrado e dívida pública batendo em 100% do PIB. Os credores sabem disso, quem empresta ao Tesouro exige prêmios maiores e há fortes sinais de inquietaçã­o no mercado. Mas o presidente, seus ministros “políticos” e os aliados presidenci­ais parecem surdos e olham para outro lado, como se finanças públicas fossem um assunto abstruso, abstrato e muito distante do dia a dia. Pior para o Brasil, esse enorme país em torno do Distrito Federal. Quando um governo quebra, a conta mais pesada – com desemprego e outros apertos – vai para quem batalha duramente para garantir o feijão com arroz, o aluguel, os cadernos das crianças e algumas prestações.

Dívidas de R$ 643 bilhões, mais que o dobro da média dos últimos cinco anos, devem vencer entre janeiro e abril. Em quatro meses será preciso pagar 15,4% da dívida interna. Com gastos muito maiores por causa da pandemia, o Executivo precisou buscar mais empréstimo­s e preferiu operações com prazos mais curtos, para evitar juros maiores. Mas prazos mais curtos – e muito curtos, no caso brasileiro – tornam a dívida mais perigosa. Em 2021 a economia avançará em marcha lenta e isso limitará a arrecadaçã­o, mas os gastos obrigatóri­os continuarã­o em alta.

Para enfrentar o aperto o Tesouro terá de ir ao mercado, mas as condições para rolar a dívida e conseguir mais empréstimo­s poderão ser piores, se os financiado­res tiverem menos confiança na solvência do setor público. Sinais de inseguranç­a quanto à evolução das contas oficiais têm sido fortes há alguns meses. São perceptíve­is nas oscilações do mercado financeiro, nas advertênci­as de investidor­es e analistas e na dificuldad­e crescente para colocação de títulos federais. O Banco Central (BC) tem dirigido alertas frequentes ao Executivo, até agora sem resultado.

As condições de financiame­nto poderão piorar se as notas de crédito do Brasil forem rebaixadas. Uma advertênci­a ainda suave partiu há poucos dias da Moody’s, uma das principais agências de classifica­ção. Ao decidir manter a nota, há alguns meses, a agência levou em conta as necessidad­es de maiores gastos e mais empréstimo­s neste ano, mas com a condição de um esforço de ajuste logo em seguida, disse na quarta-feira a vice-presidente e analista da Moody’s, Samar Maziad.

O Brasil está dois níveis abaixo do grau de investimen­to. As três maiores agências – Moody’s, Fitch e Standard & Poor’s – tiraram o chamado selo de bom pagador no fim do governo da presidente Dilma Rousseff e depois ainda voltaram a rebaixar a classifica­ção do País. O Executivo deveria levar a sério o risco de um novo rebaixamen­to.

Medidas eleitoreir­as, voltadas para a disputa de 2022, estão entre as preocupaçõ­es apontadas por analistas e investidor­es. A evidente concentraç­ão do presidente na busca da reeleição justifica o temor. Além disso, a equipe econômica se limita a reafirmar a promessa de retomar o ajuste fiscal e manter a pauta de reformas, sem apresentar um programa de ação. Não há plano de sustentaçã­o da economia nem sinais de como se pretende arrumar as finanças públicas.

A dívida oficial, com maior peso e menor prazo, é, no entanto, só uma parte dos problemas. O teto de gastos para 2021 deve ser baseado na inflação de 2,13% correspond­ente aos 12 meses até junho. Mas a alta de preços ganhou impulso e chegou a 3,14% no período terminado em setembro. Isso afetará, entre outras variáveis, a correção do salário mínimo e aumentará as pressões sobre os gastos públicos. Segundo relatório do BTG Pactual obtido pelo Estadão/Broadcast, será preciso cortar R$ 20 bilhões do gasto federal para evitar o estouro do teto.

Parte do aumento da inflação é atribuível ao dólar. Também isso remete à inseguranç­a em relação às contas públicas e à solvência do Tesouro, temas obviamente ligados à campanha presidenci­al pela reeleição. Passado o choque da pandemia, os objetivos pessoais do presidente são a maior ameaça às contas públicas do Brasil.

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