O Estado de S. Paulo

Os quatro ‘boina vermelha’ do Planalto

Ministros Jorge Oliveira, Tarcísio de Freitas e Wagner Rosário se conheceram no Colégio Militar de Brasília e se reencontra­ram no governo

- Jussara Soares

Há mais de 30 anos, no pelotão de boinas vermelhas que se formava no pátio do Colégio Militar de Brasília (CMB) às sextas-feiras para hastear a bandeira e cantar o Hino Nacional, ninguém imaginava que quatro estudantes de uma mesma turma integraria­m a cúpula de um governo. Atualmente auxiliares de confiança do presidente Jair Bolsonaro, os ministros Jorge Oliveira (Secretaria-Geral da Presidênci­a), Tarcísio de Freitas (Infraestru­tura) e Wagner Rosário (Controlado­riaGeral da União), e o diretorger­al da Polícia Federal (PF), delegado Rolando Alexandre de Souza, estudaram juntos na turma de 1986 a 1992.

As relações pessoais de mais de três décadas fazem com que os três ministros sejam vistos como um núcleo à parte pelos demais colegas do Executivo. Eles se conheceram quando tinham entre 11 e 12 anos. Wagner e Tarcísio deixaram o colégio no último ano para cursar a Escola Preparatór­ia de Cadetes do Exército em Campinas (SP). Depois, estiveram na mesma turma na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), entre 1993 e 1996.

Já Rolando, o atual diretor-geral da PF, também filho de militar e integrou o grupo por apenas dois anos até se mudar para o Rio de Janeiro. Em 1989 e 1990, na sétima e oitava séries, estudou na mesma classe que Tarcísio. Talvez por isso seja pouco lembrado entre os colegas. Os dois só se reencontra­m recentemen­te no governo.

A turma de 1992 (ano de formatura), que chegou a ter cerca de 300 alunos divididos em 12 classes, foi batizada de Machado de Assis. “Era uma homenagem ao escritor, mas também uma irreverênc­ia porque tínhamos um sargento chamado Machado e um major Assis como monitores de disciplina”, disse Oliveira, que, após se formar, ingressou na Academia da Polícia Militar do Distrito Federal.

O fato de uma única turma ter emplacado tantos integrante­s na cúpula de um governo é considerad­o uma façanha tanto pelo Colégio Militar quanto por colegas do trio. Os alunos da turma de 1992 se reúnem em um grupo de WhatsApp com 137 participan­tes. A cada semestre, costumam se encontrar no restaurant­e Xique-Xique, especializ­ado em comida nordestina, na Asa Sul, em Brasília. Quando possível, o grupo marca presença nas festas dos anos 1980 promovidas por outro colega da turma, o publicitár­io e produtor de eventos Paulo Bandeira.

“O pessoal vibra com essa história de três ministros. Eles têm méritos, mas isso demonstra o quanto o Colégio Militar foi importante. Ensinou determinaç­ão, concentraç­ão, disciplina e patriotism­o”, disse Bandeira. Nos encontros, uma das histórias mais repetidas é a do professor que na chamada dizia “Uagnes” ao ler o nome de Wagner.

Em breve, a turma de 1992 pode ter um ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). Na terça-feira, Oliveira será sabatinado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. No dia seguinte, o nome dele será votado em plenário. Se aprovado, ficará com a vaga que será aberta com a aposentado­ria do ministro José Múcio Monteiro, em 31 de dezembro.

Indicação.

“De fato, Tarcísio, Wagner e eu sermos ministros é uma grande coincidênc­ia, mas outros colegas, certamente, também poderiam ser ministros com tranquilid­ade. Isso é fruto da formação que tivemos”, disse Oliveira, que deu um empurrão para a “coincidênc­ia” ocorrer graças à relação próxima com o presidente.

Rogério Cavalcanti, hoje subprocura­dor-geral do Distrito Federal, lembra do colega de turma. “Jorge sempre foi uma figura centrada. E realmente tem uma virtude de saber ouvir e ponderar, que é, para posição dele hoje, fundamenta­l.” Cavalcanti era considerad­o o melhor aluno dos anos de formação.

O ministro-chefe da Secretaria-Geral é filho do capitão do Exército Jorge Francisco, morto em 2018, que, por 20 anos, foi chefe de gabinete de Bolsonaro na Câmara. Oliveira, que é formado em Direito e major da reserva da Polícia Militar, se tornou chefe de gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro (PSLSP), terceiro filho do presidente.

A relação com a família Bolsonaro permitiu a ele entregar o currículo dos dois colegas do Colégio Militar ao presidente, que assumiu afirmando que iria montar um ministério técnico. Wagner é servidor de carreira da CGU; Tarcísio é consultor Legislativ­o da Câmara. Colaborou o fato de os indicados também serem egressos da Aman e, como Bolsonaro, terem alcançado a patente de capitão do Exército. Apesar de ser defensor dos colégios militares como modelo de educação, Bolsonaro só soube da coincidênc­ia depois, contam os ministros.

Assim, Wagner, que já era ministro

do ex-presidente Michel Temer, seguiu à frente da CGU. Hoje, segundo integrante­s do Executivo, o chefe da Controlado­ria é o ministro que faz a gestão de risco do governo e tem “a coragem” de alertar o presidente sobre o que pode dar errado. Em geral, auxiliares palacianos evitam contrariar o chefe.

Tarcísio virou ministro da Infraestru­tura mesmo tendo atuado como diretor do Departamen­to Nacional de Infraestru­tura de Transporte­s (Dnit) no governo Dilma Rousseff. Contratos assinados pelo atual ministro, quando ainda era diretor do Dnit, estão sob investigaç­ão da PF por suspeita de corrupção. Tarcísio não é investigad­o. “Eles estão onde estão por méritos próprios”, disse Oliveira, minimizand­o sua influência.

Tarefas.

Professora dos três ministros, Virginia da Silva Vidal, de 68 anos, dava aulas de iniciação de Física e Química. Desta época, lembra-se de um dia ter verificado que os exercícios de Wagner não estavam feitos. “Eu brincava dizendo que ia fazer a marca do Zorro, mas não era o Z e sim um ponto de interrogaç­ão, como prova de que os exercícios não tinham sido feitos para a data marcada. E, pra minha surpresa, fiquei sabendo que este fato entristece­u muito o Wagner, pois ele tinha ciúmes de seu livro e eu o havia marcado”, contou a professora.

Ela viria saber, depois, que, como era início do ano, o pai do hoje ministro só tinha conseguido comprar o livro na véspera, pois estava em falta no mercado. E tinha entregue quando já estava indo dormir porque acordava cedo para estar na escola. “Fiquei revoltado. O livro era novo”, diverte-se hoje Wagner.

O ministro da CGU e o da Infraestru­tura estudaram na Aman de 1993 a 1996. Após a formatura, Tarcísio e Wagner se afastaram da convivênci­a diária. Os dois só voltaram a se encontrar quando fizeram concurso para auditor federal de finanças em 2008. “Quando vi que o Tarcísio estava concorrend­o, sabia que era uma vaga a menos. Quando Tarcísio vai mal em algo é o segundo colocado”, disse Wagner. Em 2014, o atual ministro da Infraestru­tura foi aprovado em primeiro lugar no concurso de consultor legislativ­o.

O Colégio Militar não forneceu os boletins dos ministros. Ao Estadão, no entanto, a instituiçã­o informou que Oliveira e Tarcísio, na quinta série, foram promovidos à graduação de cabo por ficarem entre os melhores alunos. No segundo ano do atual Ensino Médio, Tarcísio ganhou a patente de capitão, segundo a escola, em “razão do seu nível intelectua­l”. As patentes simbólicas eram distribuíd­as como forma de reconhecer o mérito dos melhores estudantes.

“Nunca fui o primeiro no colégio. Estive entre os primeiros, mas minha turma tem um ‘ET’ que é o Rogério Cavalcanti. Ele é brilhante, inatingíve­l”, disse o ministro da Infraestru­tura.

Para a professora, os ex-alunos realizaram o sonho dos mestres. “Só peço que continuem aplicando valores aprendidos no colégio, que muito têm contribuíd­o para a vida particular e profission­al de cada um. Tenho a sensação de dever cumprido.”

 ?? ARQUIVO PESSOAL/WAGNER ROSÁRIO ?? Memória.
Hoje ministro da Secretaria-Geral da Presidênci­a, Jorge Oliveira (à esq.) na época do Colégio Militar de Brasília
ARQUIVO PESSOAL/WAGNER ROSÁRIO Memória. Hoje ministro da Secretaria-Geral da Presidênci­a, Jorge Oliveira (à esq.) na época do Colégio Militar de Brasília
 ?? ARQUIVO PESSOAL/ROGÉRIO CAVALCANTI ?? Estudante.
Tarcísio de Freitas (à dir.)
no colégio; ministro é da confiança de Jair Bolsonaro
ARQUIVO PESSOAL/ROGÉRIO CAVALCANTI Estudante. Tarcísio de Freitas (à dir.) no colégio; ministro é da confiança de Jair Bolsonaro

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