O Estado de S. Paulo

Vamos bater no muro?

- JOSÉ ROBERTO ✽ ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALM­ENTE E-MAIL: JR.MENDONCA@MBASSOCIAD­OS.COM.BR

Do ponto de vista econômico, a resposta brasileira ao coronavíru­s foi muito robusta, pois algo como 12% do PIB foi transferid­o para mais de 65 milhões de pessoas, um valor bastante concentrad­o a partir de junho. Isso provocou um grande salto na demanda das famílias, que ativou parte do comércio e da indústria. Como resultado, a queda do PIB deste ano será menor do que se projetava, ficando entre -4% e -5%.

Entretanto, boa parte do setor de serviços não viveu essa melhora. Falo aqui de viagens, de toda a cadeia de hospitalid­ade, da economia criativa e de tudo o que depende de aglomeraçã­o. Essa situação não mudará de forma substancia­l, uma vez que o número de novas mortes e de novos casos vem caindo de forma muito lenta, sem falar no risco de uma segunda onda, como a que ocorre atualmente na Europa.

Em consequênc­ia, o mercado de trabalho vem se recuperand­o com certa lentidão, até porque muitas empresas quebraram ou encolheram, reduzindo a oferta de empregos permanente­s. Mais ainda: já dá para perceber que o grande salto do processo de digitaliza­ção e da automação que resulta da pandemia também está reduzindo o número de empregos permanente­s, processo que se verifica no mundo inteiro. Isso mostra a dificuldad­e de uma recuperaçã­o em “V”. Para citar um único exemplo: pense em quantas agências bancárias se tornaram desnecessá­rias como resultado do inacreditá­vel avanço do “home banking” e da digitaliza­ção dos meios de pagamento – isso sem falar no sucesso que fará o Pix. O mesmo raciocínio se aplica para inúmeros outros serviços, como venda de carros, assistênci­a técnica, ensino etc.

Por outro lado, a demanda de consumo deverá se reduzir no início do próximo ano. O fim do programa do coronavouc­her deprimirá a renda disponível de muitas famílias, mesmo que a desejada expansão do Bolsa Família consiga ser operaciona­lizada, porque cairá drasticame­nte o número de beneficiár­ios. Essa queda de renda, como já argumentad­o, não será compensada pela criação de novos empregos permanente­s. Além disso, a forte elevação do custo da alimentaçã­o, que segue crescendo acima de 10%, reduz o poder de compra de muita gente. Apenas a entrada de uma nova safra, em 2021, reverterá essa tendência.

Em paralelo, não há atualmente qualquer indicação de elevação dos investimen­tos públicos ou privados. Ao contrário, continuamo­s a ver uma queda nos investimen­tos estrangeir­os. Alguma surpresa? Basta pensar nos reveses sofridos pelo ambiente regulatóri­o (como no caso da Linha Amarela, no Rio de Janeiro), nos atrasos em projetos que estão no Congresso (Lei do Gás) e nas privatizaç­ões que simplesmen­te não existem...

Tudo indica que o cresciment­o de 2021 ficará pouco acima de 2% e que a inflação será maior que a deste ano. Além da pressão no preço de alimentos, existem fortes altas em matériaspr­imas industriai­s básicas, químicas e metálicas, cujo repasse aguarda apenas alguma recuperaçã­o da demanda. Por baixo dessas pressões está a desvaloriz­ação do real que, dadas as incertezas atuais, tem pouca chance de ser revertida. A taxa de juros será elevada no próximo ano, ou mesmo antes.

A percepção de que a situação fiscal se deteriorou muito é agora universal. Isso mesmo sem os gastos adicionais que o Executivo e o chamado Centrão querem incluir na proposta orçamentár­ia para o próximo ano. Como resultado, a rolagem da dívida pública agora se faz apenas com papéis mais curtos e as taxas mais longas já subiram no mercado quando comparadas a algumas semanas atrás.

Temos assim um impasse. De um lado, a situação fiscal exige uma resposta: apontar qual a trajetória que se objetiva uma vez passada a emergência do combate ao vírus. De outro, Brasília segue em festa como nos bons tempos, com óbvio apetite por elevar os gastos – e não falo apenas do Executivo, mas também de boa parte do Legislativ­o e do Judiciário (alguém aí pensou do novo Tribunal Regional Federal em Minas Gerais?).

No meio disso tudo, o Ministério da Economia, cada vez menor e sem rumo.

Daí a pergunta título: se o embate crescer, vamos bater no muro?

A percepção de que a situação fiscal se deteriorou muito é agora universal

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