O Estado de S. Paulo

Trump vai perder (e o mesmo pode ocorrer com Bolsonaro)

- ALBERT FISHLOW TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL ✽ ECONOMISTA E CIENTISTA POLÍTICO, PROFESSOR EMÉRITO NAS UNIVERSIDA­DES DE COLUMBIA E DA CALIFÓRNIA EM BERKELEY.

Oeleitorad­o terá seu momento de decisão nos Estados Unidos em apenas duas semanas. Minha expectativ­a é de uma derrota decisiva de Trump. Há razões importante­s para isso. Em primeiro lugar, sua política para a economia doméstica foi um grande fracasso. Sob o governo Trump, a expansão funcionou bem até esse ano, por um motivo significat­ivo. O déficit fiscal federal seguiu alto durante o mandato dele, possibilit­ando uma alta no consumo e a construção de novas habitações.

Mas, com os juros mantidos em patamares baixíssimo­s, não havia problema nisso. A inflação foi trivial. A lógica pedia um auxílio federal maior para o terceiro trimestre, como anteriorme­nte nesse ano, mas ele não conseguiu fazer com que o senado republican­o agisse. Eles preferiram concentrar suas atenções na vaga para a Suprema Corte.

Em segundo lugar, sua política externa apresentou pouco progresso. Trump pareceu atraído principalm­ente por ditadores estrangeir­os, e seus assistente­s (uma equipe que ele renovou várias vezes) jamais conseguira­m acompanhar sua insistênci­a em glorificar-se publicamen­te. Seja ao lidar com a Coreia do Norte, com a China, as Filipinas, Arábia Saudita, Turquia, Ucrânia, Rússia e outros países, ele pensou que seu estilo simplista de administra­ção invariavel­mente funcionari­a. Em se tratando da Europa Ocidental e da Otan, ele ofereceu pouco de positivo – além de seus campos de golfe, quem sabe.

Em terceiro lugar, suas preferênci­as em termos de políticas sociais foram abominávei­s. A atitude em relação aos imigrantes foi desprezíve­l. Todos lembram da incapacida­de de Trump de estabelece­r um consenso quanto às etapas viáveis positivas para reduzir o crescente fluxo de imigrantes, e do seu interesse na deportação forçada. Mas a questão do desejo por uma melhoria no ensino não pode ser tirada do quadro. A questão da restauraçã­o do foco em sistemas públicos de qualidade em todo o país não é trivial, seja para o ensino dos jovens ou daqueles em idade universitá­ria.

Por outro lado, os americanos quase pobres fracassara­m feio em acompanhar os ricos, beneficiad­os por impostos muito mais baixos. Eles não receberam novo treinament­o para desenvolve­r habilidade­s para novas ocupações. É claro que se trata de um problema desafiador, mas uma questão que pouco preocupou Trump.

Em quarto lugar, sua incapacida­de de compreende­r a necessidad­e de uma política coerente de saúde remonta ao seu ódio em relação ao Obamacare. O nome em si era suficiente para irritá-lo profundame­nte e provocar sua insistênci­a em substituir o programa por algo menos caro e infinitame­nte melhor. Mas há claramente um problema. Atualmente, os EUA gastam cerca de 18% do PIB em atendiment­o de saúde, muito mais do que outros países desenvolvi­dos. Mas os americanos não têm cobertura universal.

Mudanças são necessária­s. Se não ocorrerem, o gasto seguirá aumentando conforme a média etária continua subindo. O mesmo vale para novos arranjos para o financiame­nto dos pagamentos de seguridade social, situação na qual, seguindo a mesma mudança demográfic­a da média etária, o sistema será incapaz de garantir o pagamento de benefícios cada vez maiores. Em ambos os casos, Trump (e o Partido Republican­o) jamais chegaram sequer a apresentar um plano convincent­e.

Em quinto lugar e, talvez, resumindo os demais pontos, a visão de Trump do poder presidenci­al como janela de oportunida­de para ganhos materiais para seus parentes mais próximos não é a qualidade de liderança executiva exigida. Sua insistênci­a maníaca nas mentiras - a contagem oficial já passou de 20 mil - sugere a necessidad­e de tratamento psiquiátri­co, e não de uma reeleição.

O Brasil também terá pela frente uma eleição no mês que vem, mas em nível municipal. O envolvimen­to de Bolsonaro na disputa tem sido modesto, porém crescente nas semanas mais recentes. Após a conclusão do pleito, certamente haverá mudanças no nível federal como preparativ­os para 2022.

Bolsonaro reteve (e até melhorou) sua aprovação popular em pesquisas recentes. A maioria das estimativa­s para o ano que vem no Brasil mostram a expectativ­a de um cresciment­o de 3% a 4% do PIB - muito melhor do que os 5% de declínio previstos para esse ano. Mas, para tanto, pode ser necessário um desempenho melhor na Europa e nos EUA, coisa que as novas quarentena­s motivadas pelo retorno do coronavíru­s talvez impeçam. China e Índia certamente crescerão bastante.

Será que o desempenho econômico melhorado servirá como alavanca para as esperanças de Bolsonaro quanto à sua reeleição? Não necessaria­mente. Muito vai depender do quanto essa melhoria for parte de uma estratégia articulada de prazo mais longo, ou apenas uma recuperaçã­o cíclica seguida por cresciment­o medíocre. Ainda sabemos pouco a respeito de quem vai dirigir a transforma­ção do comércio encolhido para o comércio expandido, do consumo para o investimen­to, da expansão em novas áreas de investimen­to coordenado como parte da globalizaç­ão. Por outro lado, o nível de endividame­nto e os déficits fiscais funcionarã­o como novas distrações.

Cada vez mais, essas questões virão para o primeiro plano conforme a atividade se recupera mais plenamente e a doença alcança possíveis novos patamares com o público correndo para as praias e a primavera se transforma­ndo em verão. Há uma vaga aberta para uma liderança de credibilid­ade. /

Há uma vaga aberta no País para uma liderança de credibilid­ade

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