O Estado de S. Paulo

É possível encarar uma obra de arte só como investimen­to?

Leilão de obras do Banco Santos foi um êxito e chamou atenção para esse mercado, que é arriscado e só funciona no longuíssim­o prazo

- Fernando Scheller

No fim de setembro, o leilão de um lote de obras do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, do falido Banco Santos, chamou a atenção: television­ado, o evento mostrava o leiloeiro James Lisboa tendo dificuldad­e em bater o martelo. Obras de grandes nomes da arte brasileira e internacio­nal recebiam lances cada vez mais altos: o certame, que projetava arrecadar R$ 7 milhões, atingiu R$ 25 milhões. E levantou uma lebre para quem, em tempos de juros baixíssimo­s na renda fixa, está em busca de uma melhor aplicação. Segundo o ‘Estadão’ apurou, porém, pensar em arte apenas como forma de multiplica­r patrimônio pode ser bastante arriscado.

Um dos maiores especialis­tas no assunto, Heitor Reis ajudou o banco Brasil Plural a montar o primeiro fundo de investimen­to em arte, que chegou a reunir 700 obras de 200 artistas brasileiro­s. Embora considere quadros, esculturas e fotografia­s um potencial bom investimen­to, Reis alerta: “Arte não deve ser o principal investimen­to de ninguém. Primeiro você compra sua casinha, faz sua poupança e depois pensa nisso.”

Embora seja recomendáv­el fazer uma boa pesquisa sobre o artista em que se pretende investir, colecionad­ores consultado­s pelo Estadão alertam que não há garantias. O executivo José Olympio Pereira, presidente do banco Credit Suisse, que coleciona arte há 30 anos e preside a Bienal de São Paulo, diz que nada garante a valorizaçã­o de um artista. “Se você fizer um estudo econômico, não acho que se possa relacionar, por exemplo, a compra de uma obra por um museu à valorizaçã­o daquele artista no mercado.”

Como o retorno é incerto, vale uma máxima que também se aplica a outros investimen­tos: a diversific­ação. Como é muito difícil prever se um artista vai “explodir” no mercado, Pereira conta ter construído uma coleção ampla e eclética. Ou seja: nada de comprar toda a obra de um artista. “Sempre comprei arte por paixão. E, ao longo desses 30 anos que eu compro arte, teve coisas que se valorizara­m e outras que não, que eu dou de presente.”

Quem não gosta de arte e investe na área pode acabar tendo de lidar com o gosto amargo do fracasso, todos os dias, bem no meio da sala de estar. “Se você comprar arte só por investimen­to, ela pode deixar de ser uma fonte de prazer e passar a ser um aborrecime­nto à medida que não performar”, diz o presidente da Bienal. Na visão de Reis, o melhor caminho é adquirir as obras por gosto estético e deixar que a vantagem econômica venha eventualme­nte – mas sem contar com ela. “Quem compra por prazer tem bem menos chance de errar.”

Cuidados. Mas é evidente que, como em outros segmentos, como ações ou imóveis, há opções mais seguras e apostas mais arrojadas. E, a exemplo do que ocorre com esses outros investimen­tos, tudo depende do capital que se tem a investir e do risco que se está disposto a correr. Quanto o assunto é arte, a clara vantagem está de quem tem patrimônio para assinar cheques mais altos.

Isso porque o investimen­to em autores consagrado­s – que exigem desembolso­s de milhões de reais – são apostas mais seguras. Ter um Di Cavalcanti, uma Tarsila do Amaral ou um Portinari na parede é uma garantia de que o investimen­to (quase) certamente não vai desvaloriz­ar. O mesmo raciocínio vale para artistas contemporâ­neos que já tiveram uma explosão de preço, como Adriana Varejão ou Vik Muniz.

Responsáve­l pelo leilão milionário das obras de Edemar Cid Ferreira – que arrecadou recursos para pagar os credores do Banco Santos –, o leiloeiro James Lisboa ressalva que, mesmo quando se fala de nomes consagrado­s, também é necessário algum conhecimen­to técnico sobre o tema. “Nem toda a obra de um artista vai ter a mesma valorizaçã­o. O artista é um operário, precisa criar para sobreviver. Então é preciso ter em mente que a qualidade da obra varia de peça para peça.”

Para quem não é grande colecionad­or e não tem milhões para montar uma coleção extensa, o jeito é apostar em artistas que ainda não tiveram saltos de preço. “A maior parte do mercado de arte não está nos leilões conhecidos, mas em artistas cujo preço das obras hoje varia de R$ 10 mil a R$ 25 mil”, explica Lisboa. A resposta sobre a valorizaçã­o da obra pode vir só em uma, duas ou até três décadas. Por isso, Lisboa reforça o conselho: “Compre o que te dá prazer.”

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TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO Dinheiro e estética. Heitor Reis montou fundo de investimen­to em arte com 700 obras

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