Gestão da marca ajuda na coesão do negócio
Pequenos estúdios desenvolvem projetos para empreendedores manterem coerência entre discurso e prática
“É só um logotipo, coisa simples, não vai dar muito trabalho.” A frase frequentemente ouvida por designers mostra que, muitas vezes, empresas não se preocupam ou não entendem o valor que tem uma sólida identidade de marca. Para ajudar negócios a se posicionarem de forma coerente no mercado, profissionais de design e publicidade se lançaram em estúdios de criação para customizar serviços para PMEs.
Da concepção de uma companhia às plataformas em que ela atua, a identidade de marca atravessa todos os processos. “Estratégia é design, planejamento é design. A gente vê muitas empresas pequenas com bons produtos e serviços, mas que não transmitem segurança aos clientes porque não têm uma comunicação clara”, afirma Vitor de Castro Fernandes, professor de design de identidade visual no Centro Universitário Belas Artes.
Facilita a compreensão do negócio manter uma uniformidade verbal e visual em todos os pontos de contato com os consumidores, seja física ou virtualmente. “A ideia é que um cliente, um fornecedor ou um colaborador receba a mesma mensagem”, explica Julia Vidigal, à frente da Crudo, com a sócia Laura Andreotti.
Há cinco anos elas trabalham com o segmento de alimentos, bebidas e hospitalidade. “A gente está em um momento em que as pessoas exigem coerência e querem ver isso nos conteúdos também”, afirma Laura.
Para garantir esse resultado, as duas dirigem pessoalmente as sessões de fotos para as redes sociais do Yabai, delivery de comida japonesa. “Não é só tirar fotos profissionais. Elas dialogam entre si?”, questiona Laura. “Cada marca vai ter um produto customizado para ela, de acordo com o seu posicionamento.” A gestão de redes sociais está entre os serviços oferecidos pela Crudo.
Ana Paula Dugaich, proprietária da Allma Hub, também trabalhou o conteúdo digital da Yvy, startup de produtos de limpeza naturais. “Eles procuraram a gente e eu disse ‘vocês são melhores do que se mostram’. Ajudamos a contar sobre a economia circular, que a empresa entrega em casa para emitir menos carbono e o mal que os produtos tradicionais fazem.”
Crudo e Allma desenvolvem projetos de identidade para negócios do começo ao fim. “Fazemos brainstorming de nome, trabalhamos desde o conceito de entender por que a marca vai nascer. O que baliza nossa escolha de cliente é o propósito dele”, explica Ana Paula.
A empresária conta com a contribuição dos traços e do olhar atento de Renata Alcantara, da Nata Design. Ela conta que se sente valorizada quando trabalha com negócios menores. “Em uma gigante, ninguém tem apego ao projeto. Depois de passar pela cadeia inteira de aprovação, às vezes eu não reconhecia meu primeiro layout.”
Segundo Renato Hayashi, professor do curso de design gráfico da Panamericana Escola de Arte e Design, todo designer anseia por ter um cliente grande. “Mas em 99% dos casos você tem a capilarização dos trabalhos entre os pequenos. Se você pode ter uma rotatividade, todos ganham e as empresas pequenas têm um projeto feito por quem entende do assunto.”
Rafaela e Estevan Ortega, há sete anos à frente da Nuvem Design, atendem majoritariamente pequenos negócios e profissionais liberais. “A gente entende esse cliente porque foi o mesmo caminho que a gente percorreu”, diz Rafaela. “O maior desafio é conscientizar essas empresas de que o design é um investimento”, completa o parceiro de vida e de trabalho.
Para o professor da Panamericana, um dos entraves é a falta de valorização no Brasil. “As pessoas pensam ‘por que vou gastar R$ 1 mil, R$ 2 mil em um logotipo’? Um design de qualidade é tão importante quanto o mobiliário de uma loja”, comenta Hayashi.
Benchmarking. “Algo bonito ou esteticamente agradável não é design. Design não é arte. Necessariamente tem de cumprir uma função, comunicar uma ideia”, afirma Rafaela.
O processo de identidade de marca começa com uma pesquisa de mercado e dos concorrentes. “A gente tem um trabalho forte de benchmarking. Tudo o que sugerimos é sempre a partir de conceitos”, conta Julia, da Crudo. Laura completa: “Depois que a estratégia está desenhada, desdobramos no enxoval gráfico.” Essa expressão define o conjunto de peças criadas, virtuais ou físicas, de banner a cartão de visita.
“O empresário pensa ‘vou gastar R$ 5 mil, R$ 10 mil em uma embalagem’, mas ela ajuda a vender”, diz Fernandes, sobre o retorno financeiro que um bom design pode trazer. Para um pequeno negócio, ele ressalta que o preço acompanha o grau de desafio e a amplitude do projeto, que costumam ser menores. “É tudo uma questão de adaptar o orçamento ao que o cliente precisa e eliminar etapas”, diz o professor da Belas Artes, que mantém o estúdio ConceitoAR.
Ana Paula, da Allma Hub, trabalha dessa forma e recomenda: “Esse pequeno empresário tem de encontrar quem saiba dar atenção para ele, na medida em que ele pode pagar. Tem hora em que a gente prefere fazer escambo.” Ela cita a atualização de marca feita para a Fazenda Santa Adelaide, pela qual recebeu pagamento na forma de produtos orgânicos.
A pandemia, acredita a designer Renata, aumentou a chance de pequenos negócios competirem por clientes. “Na internet, todo mundo está no mesmo endereço.” Com isso, esses empresários passaram a buscar identidade visual, investindo em design para obter resultados.
ALGO BONITO NÃO É DESIGN. DESIGN NÃO É ARTE. ELE TEM DE CUMPRIR UMA FUNÇÃO, COMUNICAR UMA IDEIA
Rafaela Ortega NUVEM DESIGN