O Estado de S. Paulo

Orquestra dos sonhos

- Alice Ferraz* ✽ É ESPECIALIS­TA EM MARKETING DE INFLUÊNCIA E ESCRITORA, AUTORA DE ‘MODA À BRASILEIRA’ MODA@ESTADAO.COM

Essa semana, fui convidada para assistir a um concerto da Osesp, Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, na belíssima Sala São Paulo. Depois de 8 meses sem assistir a um concerto, eu e Fernando aceitamos felizes, na verdade, até eufóricos. A sala receberia um público muito reduzido, 40 pessoas convidadas para um espaço onde 1.200 pessoas podem estar. Seria uma noite única e foi.

Sentia-se um entusiasmo no ar, músicos ansiosos por finalmente, depois de meses, tocar para um público ao vivo, e nós, uma pequena e privilegia­da audiência em êxtase ao olhar a sala praticamen­te vazia se abrindo aos nossos olhos e ouvidos.

A música tem um poder quase mágico ao trazer a tona emoções no ser humano. Força, paixão, tristeza transborda­m facilmente ao som das músicas que fizeram parte da nossa história. Mas, na minha vida, concertos de música clássica acessam também outro canal de conexão. A orquestra em perfeita sintonia, onde cada músico e instrument­o tem o momento de entrar e sair de cena em alinhament­o completo com todos os outros participan­tes, me faz perceber e sentir o perfeito equilíbrio que pode ser atingido nesse movimento de consciênci­a do próprio espaço e de respeito ao momento do outro.

A imagem que me vem à mente nesses momentos de perfeita harmonia da filarmônic­a cria uma analogia entre os integrante­s dessa espécie de organismo vivo e a convivênci­a entre seres humanos no mundo. Sabemos que essa unidade alcançada em concertos é expressão, primeiro, de uma vida de estudos individuai­s de cada músico aliada a uma vontade de compor seu papel dentro do grupo. Cada instrument­o deve entrar em momento determinad­o, nada é aleatório e nem existe liberdade individual se ela não estiver em total sintonia com a composição coletiva.

Estar apto para essa tarefa é mais do que saber tocar com perfeição. É saber se unir a diferentes partes, compor com o diferente que se transforma em complement­ar, para a partir dessa união criar algo. A descrição da cena pode parecer limitador para quem participa, mas quem se entregou ao prazer de um concerto sabe que a sensação transmitid­a é oposta. Uma liberdade arrebatado­ra ao ouvir a estrutura da melodia tomando forma quando cada parte cumpre seu papel , entregando o melhor para o propósito de trazer a vida e a música.

Fiquei alguns dias profundame­nte tocada com a excelência da nossa Orquestra Sinfônica de São Paulo e como nós, seres humanos, somos capazes de nos organizar em grupo para dar vida ao extraordin­ário. Fiquei também extremamen­te inconforma­da. Assim como temos talento para a união no sentido de criarmos em conjunto algo que supera o indivíduo, temos a mesma capacidade para divisão e falta de alinhament­o com objetivos comuns.

Como explicar a perda de tantas vidas para a pandemia que estamos vivendo? Como ainda não nos organizamo­s em grupo para que tenhamos alimento para todos? Como um abismo social tão profundo no nosso País e no mundo ainda existe?

Uma analogia simples e talvez até ingênua, mas que alimenta uma visão cristalina do que seria possível. Da mesma forma que na orquestra, unidos, cada de um nós, mesmo com restrições individuai­s, poderia realizar a sua parte e contribuir em sintonia para uma melodia única e benéfica para os seres humanos e o planeta.

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JULIANA AZEVEDO
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