O Estado de S. Paulo

Professor precisa de espaço para inovação

Desde o curso superior, docentes são ensinados a preparar aulas expositiva­s

- / LUCIANA ALVAREZ, ESPECIAL PARA O ESTADO

Ninguém estava preparado para a pandemia, mas os professore­s não tiveram escolha: precisaram encontrar formas de continuar seu trabalho. Além de dificuldad­es de conexão e de equipament­os, a falta de prática em inovar parece ter sido uma barreira importante. Quase dois meses após o fechamento das escolas, em maio, uma pesquisa do Instituto Península mostrou que 80% dos docentes ainda não se sentiam preparados para ensinar online e pouco mais da metade deles contou que não havia recebido suporte da escola.

Para Alexandre Schneider, presidente do Instituto Singularid­ades, uma instituiçã­o de ensino superior focada em formação de professore­s, é papel tanto da faculdades quanto das escolas que empregam os docentes estimular a inovação por parte dos professore­s. “A maioria das faculdades tem um currículo muito distante da realidade. Desde o início, ele precisa ser formado com uma interação com a prática”, defende.

Segundo ele, o modelo ideal é diferente do conceito de residência médica, em que depois de vários anos de estudos o profission­al começa a trabalhar sob supervisão de outros mais experiente­s. “No Singularid­ades, desde o primeiro semestre de faculdade o futuro professor vai para a escola. Primeiro para observar, depois ajuda o professor titular no planejamen­to e, aos poucos, assume mais responsabi­lidades”, explica.

A única forma de esse modelo funcionar é com uma interação entre ensino superior e escolas onde os professore­s vão atuar depois de formados. “É preciso criar uma relação de confiança”, diz Schneider, que lembra que apenas ensinar a lidar bem com a tecnologia não é suficiente para ser inovador. “Você pode usar uma plataforma para dar aulas tradiciona­is. A inovação que importa é mais nos métodos e no processo pedagógico.”

Além do compromiss­o das escolas em colaborar na formação inicial dos professore­s, elas precisam promover atualizaçõ­es relevantes constantem­ente e dar espaço para que os docentes experiment­em novos modelos.

Nem sempre isso acontece.

Ana Gagliardo começou aos 15 anos de idade, como voluntária, a trabalhar em projetos de educação popular. Mais tarde, fez faculdade de Letras e se tornou uma professora também do ensino básico oficial. De acordo com ela, era mais fácil experiment­ar formatos diferentes de aula na educação popular, em geral cursos extras no contraturn­o, do que no ensino regular.

“Em muitas escolas, eu encontrava resistênci­a quando saía do modelo de educação bancária, aquela em que o aluno recebe algo do professor para usar depois”, diz. “Sempre tive muito mais abertura na área social para utilizar dinâmicas, ferramenta­s e metodologi­as inovadoras.”

Nova fase. Isso mudou há dois anos, quando ela foi contratada pela escola Luminova. “Eu sinto que é uma instituiçã­o que valoriza a criativida­de, que abre espaço para o pensamento crítico, com uma equipe muito diversa”, elogia. Segundo Ana, um professor inovador só vai conseguir desenvolve­r seu potencial em um colégio também inovador. “Tem de casar o projeto político pedagógico da escola com o que o professor acredita. E, claro, tem de ser uma escola que bote em prática de verdade seu projeto”, afirma.

A professora defende ainda que a inovação só vai promover mais aprendizad­o se partir de uma escuta ativa dos estudantes. “Não é falar só do que o aluno quer, mas pôr o aluno no centro da aprendizag­em. Se vamos estudar vírgula, aproveito para conectar com as práticas dele. A gente fez uma atividade de mandar mensagem por WhatsApp com e sem as vírgulas, para mostrar como fica mais organizado e as pessoas entendem melhor.”

Diretor acadêmico da Luminova, Luizinho Magalhães diz que é difícil encontrar no mercado professore­s inovadores, porque falta uma cultura de inovação na academia e nas escolas. “Basta ver como são normalment­e os processos seletivos para professore­s: eles têm de dar uma aula expositiva para uma banca”, afirma. Como é isso o que costuma ser pedido, é para esse tipo de educação que os profission­ais se preparam.

“Busco alguém criativo, que tenha facilidade para mudanças. Assim que a gente contrata, oferece uma pós-graduação em metodologi­as ativas.” Para o diretor, a inovação tem de ser um aspecto da escola. “Os próprios alunos não querem, porque sempre receberam aulas explicadas”, diz Magalhães.

A Luminova é uma rede de ensino, e professore­s de todas as unidades recebem um roteiro de aulas. Ainda assim, o diretor acadêmico garante que a proposta é experiment­ar sempre. “Temos um planejamen­to, mas só mostramos como o professor deve começar. Depois eles têm liberdade. No ano passado, com a temática do outubro rosa, por exemplo, uma unidade de levou mães que tiveram câncer para conversar com os alunos. Outra unidade montou um salão de cabeleirei­ro na escola, para quem quisesse doar cabelos para fazer peruca.”

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Ana com os alunos da Luminova, escola onde ela diz que pode usar a criativida­de
ANA GAGLIARDO Motivação. Ana com os alunos da Luminova, escola onde ela diz que pode usar a criativida­de

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