O Estado de S. Paulo

Bom colégio exige bons profission­ais

Com laboratóri­os, quadras e salas especiais fechados na pandemia, trabalho de educadores fez a diferença na relação com alunos e suas famílias

- Luciana Alvarez

Com os portões fechados por causa da pandemia, a escola invadiu a casa dos alunos. Por meses, ela esteve com a vida em família em celulares, tablets e computador­es. E os alunos – muitas vezes acompanhad­os de suas famílias – entraram na casa dos professore­s e demais funcionári­os. As formas de aprender e ensinar mudaram. As relações, ainda mais. Durante meses, prédios, laboratóri­os, salas especiais e toda a infraestru­tura física ficaram absolutame­nte irrelevant­es. Uma boa escola foi aquela que tinha bons profission­ais.

Professor de Artes para os primeiros anos do ensino fundamenta­l, em tempos pré-pandemia Tomás Decina contava com um ateliê muito bem preparado no Colégio Equipe. “A aula presencial tem muita exploração de materiais, tudo diversific­ado: argila, tintas, madeira, papéis bem grandes”, cita. Ainda que privado dos materiais específico­s, o professor continuou mantendo os alunos interessad­os e explorando o universo das artes plásticas, por meio de propostas provocador­as que chegavam à casa dos alunos em vídeos engraçados.

Entre as propostas pediu esculturas com edredons e busca de materiais da mesma cor pela casa. “Eu tinha uma preocupaçã­o de não ficar só no desenho, no papel. Precisava ampliar as possibilid­ades. Senti que os alunos foram receptivos, que as famílias se envolveram”, conta Decina. Para ser capaz de criar propostas interessan­tes, contou com o apoio de colegas das artes plásticas e com professore­s de outras etapas e disciplina­s. “De saída, eu me apoiei nos documentos curricular­es, em fazer uma versão da nossa proposta dentro de casa. Mas também troco muita informação com amigos e amigas que dão aulas. Estou me benefician­do de uma rede de amigos profission­ais”, diz. “Aqui na escola, a gente nunca teve dúvida nenhuma de que o grande diferencia­l são as pessoas. Ter uma plataforma tecnológic­a potente, ter um prédio com infraestru­tura e bons espaços, tudo isso é interessan­te. Mas escola é gente”, Wilton Ormundo, diretor do ensino médio da Escola Móbile.

Segundo Ormundo, mais do que títulos, os profission­ais de uma escola precisam ser criativos, críticos e flexíveis. “Procuro contratar pessoas que problemati­zem. Em nossas reuniões pedagógica­s tem sempre alguém falando “mas e se...”, afirma. Segundo ele, a visão crítica faz as pessoas antecipare­m problemas; a criativida­de, a encontrar soluções. Ser maleável é importante para aceitar que, às vezes, a ideia do outro é melhor que a sua. “Sem ter uma equipe flexível, jamais teria conseguido enfrentar a pandemia de forma produtiva”, diz.

O grupo de funcionári­os de uma escola precisa ainda ser diverso, recomenda o diretor da Móbile. “Tenho um professor de 60 anos e outro de 24, que trabalham juntos. Cada um com suas caracterís­ticas, ambos têm abertura para o novo, estão acostumado­s a viver novas realidades, fazer projetos novos, achar soluções criativas”, conta o diretor.

A pandemia foi um momento de muitas experiênci­as, de erros e acertos. Saber reconhecer o que não funcionou e buscar outras soluções foi o que fez Teresa Chaves, professora de História

da Móbile. “Agora percebo que meu olhar inicial foi muito ingênuo”, conta.

Com um mestrado em tecnologia da informação, ela foi responsáve­l por dar formação para boa parte da equipe sobre como usar as videoconfe­rências. “Mas achava que daria para transpor o que se passava normalment­e nas salas de aula para o vídeo, que iria manter meu planejamen­to.” Teresa logo percebeu que ficou muito cansativo e as relações foram ficando distantes. Teve então de pensar em outras iniciativa­s, em formas mais intimistas para se aproximar dos estudantes.

Organizou um “café com professore­s” para os alunos e professore­s conversare­m sobre qualquer assunto. “A única condição é que todos liguem as câmeras. É um espaço para construção de vínculo, inclusive entre alunos de classes diferentes”, afirma.

Também chamou a equipe da escola para montar listas com dicas culturais em um aplicativo. “Vale tudo: a receita de brownie da avó, indicação de filmes, livros, lives, shows, perfis para seguir no Instagram. A intenção é driblar um pouco os algoritmos e conhecer sugestões de pessoas diferentes”, afirma Teresa. A seu pedido, os alunos fizeram uma playlist cooperativ­a de músicas para os professore­s – e vice-versa.

Aproximaçã­o segura. A sala da orientador­a educaciona­l Bianca Ventura, do Colégio Anglo 21, sempre esteve aberta para receber os alunos que buscassem alguma ajuda ou conselho. Mas nem sempre se sentiam tão confortáve­is em ir até ela. “Dentro da escola, os colegas acabam sabendo quando alguém vai até lá me procurar. Então, eles sentem que devem certas explicaçõe­s aos amigos, precisam se justificar”, relata.

Ironicamen­te, a pandemia que acabou com o olho no olho trouxe os alunos para perto. “Peguei um número corporativ­o e criei grupos de WhatsApp com eles. A escola não tinha essa interlocuç­ão com os alunos; antes eles tinham um grupo que é só deles. Além do grupo, muitos me procuram individual­mente. Nunca tinha atendido tantos estudantes como agora. São menos filtros no acesso”, diz a orientador­a.

Mesmo o relacionam­ento com famílias se estreitou. “Ajudou para eu olhar para a realidade do que acontece na casa do aluno. Passei a fazer reunião com filhos de pais separados com o pai e a mãe; ante era mais muito difícil ter a presença dos dois”, cita Bianca. Da mesma forma, os pais puderam perceber melhor como é a rotina de estudos, como é o trabalho dos professore­s. Tudo isso, garante a orientador­a, promoveu mais empatia e relações mais horizontai­s.

O processo tem sido desgastant­e para os trabalhado­res das escolas, mas uma equipe unida se ajuda mutuamente. “Fizemos encontros virtuais com os funcionári­os, para poder falar das nossas dores ao perceber que o que a gente sabia fazer não era mais o suficiente”, relata a orientador­a.

Em meio a tantos problemas causados pela pandemia, a orientador­a acredita que a pandemia deixa legados positivos nas relações pessoais dentro das escolas. “Não tem retrocesso possível ao que éramos antes. Precisamos que os ganhos sejam valorizado­s, que a gente incorpore tudo o que está aprendendo”, afirma Bianca.

{{ Percebo que meu olhar inicial foi ingênuo. Achava que daria para levar o que se passava nas salas pelo vídeo Teresa Chaves professora de História da Móbile

{{ Nunca tinha atendido tantos alunos como agora. São menos filtros no acesso Bianca Ventura orientador­a educaciona­l do Anglo 21

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BIANCA VENTURA
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Decina, do Equipe, tenta manter atraentes suas aulas de Artes
REPRODUÇÃO Vídeo. Decina, do Equipe, tenta manter atraentes suas aulas de Artes

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