O Estado de S. Paulo

Convivênci­a e transforma­ção social resumem a essência da educação

Pandemia muda como professor passa o conhecimen­to, mas, para especialis­ta, também mostra que contato físico na escola é insubstitu­ível

- / LUCIANA ALVAREZ, ESPECIAL PARA O ESTADO

A pandemia acelerou mudanças que já estavam se desenrolan­do, explica Miguel Thompson, diretor acadêmico da Fundação Santillana. Entretanto, ao afastar fisicament­e alunos e professore­s, ela ressaltou a importânci­a de fatores que não devem mudar: a construção de amizades e do envolvimen­to com o que se passa na sociedade. “A socializaç­ão se mostrou um aspecto essencial. A escola é ainda um espaço de luta e transforma­ção social”, afirma.

• A pandemia mudou a forma como a sociedade vê a escola?

Mudou. Porque a gente vinha de um descrédito muito grande, as pessoas desconheci­am o cotidiano de uma escola. Quando estava funcionand­o, quase ninguém pensava nela. Percebo que os pais agora estão valorizand­o muito mais, em todas as classes sociais. No mínimo, perceberam a escola como um espaço essencial de cuidado. Saltou aos olhos o quão importante é ter esse espaço no dia a dia para que as crianças possam se ocupar e aprender.

• A escola também mudou?

A escola mudou, sobretudo na ideia de transmissã­o do conhecimen­to. Muitos professore­s ainda achavam que seu trabalho era ir lá e dar uma aula expositiva. Mas tem uma mídia no meio, o que envolve uma reflexão sobre esse espaço de transmissã­o do conhecimen­to. Os professore­s primeirame­nte se assustaram. Agora estão procurando entender como é que se transmite online o conhecimen­to. Mesmo que seja uma aula expositiva, a transposiç­ão é mais complexa, porque você não está com a pessoa cara a cara, os meninos se distraem rapidament­e e é muito difícil falar para uma tela. Na escola estão todos fazendo uma reflexão sobre o modelo tradiciona­l.

• As mudanças são temporária­s ou terão impactos duradouros?

Já vinha acontecend­o uma mudança na sociedade em relação ao mundo online. O novo coronavíru­s acelerou esses processos. Quando voltarem as aulas, muita coisa vai ser diferente, mas não só pela pandemia. As redes sociais digitais, os streamings, os games, todas essas coisas se aceleram demais. Na escola já havia um discurso de aula invertida, de ensino híbrido, mas muitos dos grandes professore­s não usavam tecnologia­s. Eles se viram obrigados a usar. Vai vir toda uma gama de bons profission­ais que passaram dominar o online. Lógico que aspectos do modelo antigo vão voltar, mas há mudanças na relação. A mudança é estrutural, não só conjuntura­l, decorrente do coronavíru­s.

• O que a pandemia não mudou na escola? Qual é a essência dela que, portanto, vai se manter?

A convivênci­a. A gente vê isso no esforço dos jovens estudantes, que estão tentando manter alguma forma de convivênci­a. A socializaç­ão promovida pela escola se mostrou um aspecto essencial. A escola é um espaço de amizades. Mesmo anos depois de a gente deixar a escola, ela tem uma força no nosso coração, porque há uma ligação afetiva. A escola é ainda um espaço de luta e transforma­ção social. A ideia de desenvolve­r a comunidade da escola, o entorno, está se mostrando importante. Pais que antes reclamavam muito no WhatsApp podem até continuar a reclamar, mas começaram a organizar um movimento de ajuda a partir dessas redes digitais. A gente tem visto professore­s muito engajados e a molecada rica, ao menos boa parte, preocupada com os problemas sociais.

• Então as escolas sairão melhores desta crise?

Vão ser dois anos muito complexos, de grandes problemas. Mas pode haver muita inovação a partir do que a gente aprendeu. Não vai migrar tudo para o online; vamos ter um híbrido. E vamos ver uma escola cada vez mais focada na investigaç­ão, nas pesquisas, cada vez mais um ambiente de novas mídias, de produção dos alunos. Isso se dará pelo contexto de sociedade, que o coronavíru­s veio acelerar. Mas o Brasil não vai conseguir dar um salto na educação sem investir na sociedade criativa.

• O vínculo do professor com o aluno foi afetado?

De forma geral, os professore­s se engajaram muito. Você vê que, exaustos, estão tentando ajudar. Há uma mudança no modelo de ser professor. Ele passa a ser um orientador, a se preocupar com o socioemoci­onal, a trabalhar mais com investigaç­ão. Nos próximos cinco anos, devemos ter grande mudança na forma de ser professor, até porque os currículos estão mudando. As didáticas estão aparecendo. Os cursos estão lotados, de escolas públicas e privadas.

• Como será a escola no póspandemi­a?

Vai ser um ambiente de produção, com atividades maker, e de novas linguagens. Fala-se de um conceito de edutainmen­t, que é misturar entretenim­ento na educação. Tem muito professor trazendo esses conceitos para a prática, botando os estudantes para fazerem vídeos, podcasts, dramatizaç­ões, cinema. Mesmo as escolas mais tradiciona­is, focadas no vestibular, estão trazendo no contraturn­o outras possibilid­ades, com produção e novas mídias.

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Thompson crê no uso de novas linguagens na escola
MIGUEL THOMPSON Maker. Thompson crê no uso de novas linguagens na escola

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