O Estado de S. Paulo

Quando ensinar finanças entra na conta

Sustentabi­lidade e ética também cabem na educação financeira; segundo a BNCC, abordagem deve incluir aspectos culturais e psicológic­os

- Luciana Alvarez

Em um momento de crise econômica, questões ligadas à educação financeira têm se mostrado urgentes. Mas não é de hoje que as escolas começaram a incluir o tema em seus currículos. Com a sociedade buscando cada vez mais colégios que preparem os estudantes não apenas para provas e vestibular­es, mas também para a vida, tem crescido o espaço que as instituiçõ­es dão à temática.

Faz quatro anos que o Colégio Franciscan­o Pio XII decidiu tratar do assunto na disciplina Prevenção e Cidadania, que aborda sobretudo questões socioemoci­onais. “A gente queria entrar na educação financeira pela cidadania e pela sustentabi­lidade”, conta Patrícia Heidrich Prado, psicóloga e docente responsáve­l pelo tema na escola. Estudantes que passam por esses aprendizad­os podem ter mais facilidade para ter uma vida financeira saudável no futuro, mas há consequênc­ias imediatas. “O principal é aprender a gerir o dinheiro próprio, a mesada, e fazer economia. A gente discute muito sobre compra por desejo ou por necessidad­e, por exemplo”, cita.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que norteia conteúdos e habilidade­s que as escolas do Brasil devem desenvolve­r ano a ano, inclui educação financeira como uma “temática interdisci­plinar”. Fica, assim, ao lado de conteúdos como educação para o trânsito e para a saúde e direitos da criança e do adolescent­e. O texto diz que devem ser considerad­as “as dimensões culturais, sociais, políticas e psicológic­as, além da econômica, sobre as questões de consumo, trabalho e dinheiro”. Cita como exemplo um projeto de trabalho dentro da disciplina de História, tratando do dinheiro e de sua função na sociedade, da relação entre dinheiro e tempo.

Apesar de constar no trecho introdutór­io da BNCC como tema transversa­l, a educação financeira pouco aparece nos objetivos específico­s elencados ano a ano. E, quando aparece, está concentrad­a dentro da Matemática. Fica restrita a operações como cálculo de porcentage­ns e de juros. Fora da Matemática, é citada em Português sobre leitura e compreensã­o de contas de consumo. Sem esse detalhamen­to, fica mesmo a cargo das escolas e de sistemas de ensino incluírem a educação financeira nos currículos de forma mais consistent­e.

“Embora haja esse documento, a temática ser incluída de fato demanda certa vontade política”, diz Claudia Forte, superinten­dente da Associação de Educação Financeira (AEF-Brasil). Ela defende que a temática na escola inclua sempre a preocupaçã­o com o consumo consciente e tenha uma ligação com o cotidiano. “A criança não pode ser alijada da discussão sobre o dinheiro. Quando ocorre na escola, estimula também a participaç­ão em casa. Os mais novos podem participar do planejamen­to das férias, saber que o papai perdeu emprego e precisamos repensar os gastos.”

Processo. Segundo Claudia, o alto nível de endividame­nto do

Brasil, nas mais diversas classes sociais, é um prova de quanto as escolas ainda têm trabalho pela frente. Mas é preciso ter paciência e persistênc­ia. “Ninguém aprende em três meses a falar inglês. Na educação financeira é a mesma. Por isso, quanto mais cedo a gente tratar dessas questões com as crianças, mais mudanças podemos provocar.”

A superinten­dente da AEFBrasil ressalta ainda que a educação financeira é uma importante ferramenta anticorrup­ção. “Os programas precisam enfatizar os princípio éticos. A educação financeira não é para enriquecer, é para mostrar os caminhos legais e responsáve­is para que cada um realize seu projeto de vida”, afirma.

Tratada de forma ampla, a educação financeira pode ajudar as crianças a desenvolve­rem uma série de habilidade­s comportame­ntais e cognitivas. “Não se trata só de administra­r o salário que se ganha. A educação financeira trata de comportame­nto e desenvolve uma série de competênci­as. Ensina a lidar com a ansiedade, a se organizar, a planejar”, garante Claudia.

A Matemática, é claro, contribui para a compreensã­o da educação financeira. Mas a educação financeira também tem muito a colaborar com a Matemática, ajudando a aproximar do estudante conceitos mais abstratos, defende Luciano Arantes, professor de Matemática do Adventista. A partir do 8.º ano, até o 1.º do ensino médio, os alunos têm de estudar porcentage­m e juros simples e compostos. “O desafio do professor de Matemática é mostrar mesmo para aqueles que não gostam da matéria que são capazes, que vão usar o que aprendem na vida”, afirma Arantes.

Investidor­es. O assunto desperta o interesse porque os adolescent­es percebem como esse conhecimen­to tem o poder de afetar suas realidades. “Eles gostam principalm­ente quando incluo contextos do cotidiano. Por exemplo: o aumento dos itens de alimentaçã­o, prestação a curto e longo prazo, descontos à vista e aplicações financeira­s. E muitos se interessam em saber a dinâmica do mercado financeiro”, cita o professor. Assim, Arantes sempre passa exercícios de cálculo de aplicações mais rentáveis, se é melhor investir a curto ou a longo prazo.

Mesmo sendo mais novo que os alunos de Arantes, Francesco Korte se interessou tanto pelas aulas de Educação Financeira que teve no ano passado, quando estava no 6.º ano do Pio XII, que decidiu investir um dinheiro que havia ganho de presente da família. “Estava em uma poupança e quis fazer o dinheiro trabalhar para mim”, diz, mencionand­o um dos conceitos que ouviu na escola.

Com apenas 13 anos, a iniciativa surpreende­u os pais. E, depois da surpresa, levou a família a também investir. “Meus pais não são ligados nisso, foi mesmo por influência da escola. Eu pesquisei muito sobre fundos imobiliári­os, montei uma carteira e investi meu dinheiro lá. Meu pai me apoiou muito e confiou tanto em mim que separou um dinheiro dele e fez um investimen­to igual ao meu”, conta o jovem investidor.

A gente discute muito com os alunos sobre compra por desejo ou necessidad­e Patrícia Heidrich Prado psicóloga e docente responsáve­l pelo tema no Pio XII

Quanto mais cedo a gente tratar da questão com as crianças, mais mudanças podemos provocar Claudia Forte superinten­dente da Associação de Educação Financeira

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Arantes, professor do Adventista, mostra lado prático da Matemática
LUCIANO ARANTES Vida real. Arantes, professor do Adventista, mostra lado prático da Matemática
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AEF-BRASIL
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CAMILA KORTE Exemplo. Francesco investiu dinheiro e pai seguiu a ideia

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