O Estado de S. Paulo

Digitaliza­ção durante a pandemia aumenta pressão por cortes

Substituiç­ão da mão de obra deve se acelerar com avanço da automação em empresas

- Renée Pereira

Com a pandemia, a aceleração da transforma­ção digital nas empresas e a necessidad­e de reduzir custos, softwares passaram a fazer o trabalho de profission­ais, levando à redução de equipes. Alguns setores, como o bancário, já tinham começado a viver essa realidade antes do surgimento do novo coronavíru­s. Segundo estudo da consultori­a Mckinsey, a previsão era de que, até 2030, cerca de 14% dos trabalhado­res globais teriam de trocar de ocupação por causa da automação. Isso significa cerca de 16 milhões de postos de trabalho no Brasil. Mas, com o alastramen­to da covid-19 e o avanço da digitaliza­ção, esse prazo deve ser encurtado. Funções como operador de telemarket­ing, caixas, recepcioni­stas, balconista­s, analistas de crédito e atividades rotineiras de escritório­s estão na berlinda. Quanto mais baixa a qualificaç­ão, maior a possibilid­ade de mecanizaçã­o e digitaliza­ção. “O espaço para essas áreas será cada vez menos valorizado no mercado”, diz Lucas Nogueira, diretor da Robert Half.

Segundo estudo da consultori­a Mckinsey, a previsão era de que, até 2030, cerca de 14% dos trabalhado­res globais teriam de trocar de ocupação por causa da automação. mas, com o alastramen­to da covid-19 e o avanço da digitaliza­ção, esse prazo deve ser encurtado

Depois de dois anos trabalhand­o na área comercial de uma metalúrgic­a, Valkíria Rocha foi alvo dos efeitos da digitaliza­ção no mercado de trabalho e acabou substituíd­a por um programa de computador. Todo o trabalho de prospecção e captação de clientes, que ela demorava um mês para fazer, o sistema concluía em duas horas. “Fica difícil concorrer quando o seu colega de trabalho é uma máquina. Isso amedronta muito”, afirma a profission­al, explicando que inicialmen­te o sistema iria apenas auxiliá-la nas tarefas.

Com a pandemia do novo coronavíru­s e a necessidad­e de redução de custos, no entanto, o software passou a fazer todo o trabalho de Valkíria, e ela teve de se adaptar a outra área. Passou por logística e administra­ção até deixar a companhia em julho. “Em muitos casos, a tecnologia potenciali­za o trabalho humano. Nesse caso, substituiu, o que causou uma grande frustração e uma sensação de não ser mais funcional.”

A tendência é que histórias como a de Valkíria se alastrem pelo Brasil com a expansão da transforma­ção digital nas empresas, que avançou a passos largos durante a pandemia, segundo especialis­tas. Nesse curto espaço de tempo, a sociedade presenciou uma mudança radical no seu dia a dia, numa velocidade nunca vista antes. As empresas tiveram de se reinventar para continuare­m de pé e, nesse processo, um dos efeitos colaterais foi a redução de pessoal.

Muitas dessas vagas cortadas durante o isolamento social correm o risco de desaparece­r. Da mesma forma, outras funções começam a surgir no mercado, exigindo novas qualificaç­ões dos profission­ais. Antes da pandemia, a previsão era que, até 2030, cerca de 14% dos trabalhado­res globais teriam de trocar de ocupação por causa da automação, segundo um estudo da consultori­a Mckinsey. Isso significa cerca de 16 milhões de postos de trabalho no Brasil. Com o coronavíru­s e o avanço da digitaliza­ção, esse prazo deve ser encurtado.

Nesse processo, funções como operador de telemarket­ing, caixas, recepcioni­stas, balconista­s, analistas de crédito e atividades rotineiras de escritório­s estão na berlinda. Quanto mais baixa a qualificaç­ão, maior será a possibilid­ade de mecanizaçã­o e digitaliza­ção. “O espaço para essas áreas será cada vez menor e menos valorizado no mercado”, diz Lucas Nogueira, diretor da Robert Half.

Alguns setores começaram a viver essa realidade antes mesmo da pandemia. Nos escritório­s de advocacia e contabilid­ade, ocupações mais maçantes e repetitiva­s aos poucos estão sendo digitaliza­das, eliminando alguns postos de trabalho. A mesma transforma­ção vem ocorrendo no setor bancário, que perdeu em 2019 quase 10 mil postos de trabalho. A inteligênc­ia artificial já consegue contratar seguros e empréstimo­s sem a necessidad­e de um profission­al, diz Ivone Silva, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região.

Uma atividade que demandava de 10 a 15 pessoas agora pode ser feita por uma única máquina, sobretudo nas vagas de auxiliar e de assistente e nas áreas de teleatendi­mento e de cobrança, diz Ivone. “Esse processo já vinha ocorrendo nos bancos com investimen­tos intensivos em tecnologia. Com a pandemia, tudo foi acelerado.” Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), no isolamento social, as operações bancárias caíram 53% nas agências e cresceram 19% nos canais digitais.

Nova realidade. Sem alternativ­as por causa da quarentena, até pessoas que tinham desconfort­o e desconfian­ça com aplicativo­s ou compras online tiveram de aderir ao mundo virtual. O resultado é que, depois de experiment­ar a modalidade, a população gostou e quebrou a resistênci­a que existia em relação a alguns serviços digitais. O efeito da mudança no mercado de trabalho será mais perceptíve­l quando a economia retomar aos trilhos do cresciment­o.

Um exemplo do boom da digitaliza­ção tem ocorrido no varejo. Com comércio fechado na quarentena, 150 mil lojas foram abertas na internet entre março e setembro deste ano. No mundo online, ao contrário do físico, não há necessidad­e de muitos vendedores, só alguém para tirar dúvidas dos compradore­s.

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TABA BENEDICTO / ESTADÃO Substituiç­ão. Valkíria diz que ‘fica difícil competir quando seu colega é um computador’

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