O Estado de S. Paulo

Após queda histórica, morte violenta volta a subir em 2020

Após País ter registrado a menor taxa anual da década, assassinat­os avançaram no 1º semestre, chegando a 1 vítima a cada 10 minutos

- Felipe Resk / COLABORARA­M ROBERTA PARAENSE e LÔRRANE MENDONÇA, ESPECIAIS PARA O ESTADÃO

Após o Brasil ter registrado em 2019 a menor taxa de homicídios da década, o número de assassinat­os voltou a subir no primeiro semestre deste ano, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. De janeiro a junho, o País relatou 25.712 mortes violentas, uma vítima a cada dez minutos e 7,1% mais que no mesmo período de 2019.

Após o Brasil ter registrado em 2019 a menor taxa de homicídios da década, o número de assassinat­os voltou a subir neste primeiro semestre, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgados ontem. Entre janeiro e junho, o País relatou 25.712 mortes violentas, ou 7,1% a mais em relação ao mesmo período do ano passado, o equivalent­e a uma vítima a cada dez minutos.

Os dados fazem parte do Anuário Brasileiro de Segurança Pública e são compilados com base em registros policiais de cada Estado. Para o índice, o Fórum considera a soma de homicídios dolosos (quando há intenção de matar), latrocínio­s (roubo seguido de morte), lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrente­s de intervençã­o policial – por si só, este último indicador está em escalada desde 2013.

Esta é a primeira vez que o Anuário também divulga estatístic­as parciais do ano corrente. Segundo o sociólogo Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum, trata-se de uma “excepciona­lidade” que serviria para avaliar o comportame­nto de indicadore­s criminais em meio à pandemia de coronavíru­s. “Os esforços para obter os dados só de 2019 ou já com o primeiro semestre de 2020 eram semelhante­s”, diz.

Se for feita a comparação tradiciona­l, consideran­do apenas os anos já encerrados, o Brasil somou 47.773 assassinat­os ao longo de 2019, o que representa o segundo recuo consecutiv­o do índice. De acordo com o relatório, a queda de 17,7% também foi a maior registrada desde 2011. Por sua vez, a taxa de homicídios havia chegado a 22,7 casos por 100 mil habitantes, o melhor resultado da década.

Já mais recentemen­te, no primeiro semestre de 2020, as mortes violentas demonstrar­am comportame­nto contrário e aumentaram em 21 das 27 unidades federativa­s – incluindo São Paulo, historicam­ente responsáve­l pela menor taxa. Para comparar, os casos só haviam subido em Rondônia em 2019.

Segundo o Fórum, a tendência se inverteu a partir de setembro de 2019 e o País acumulou nove meses de alta consecutiv­as. Esse cenário faz pesquisado­res questionar­em o quanto políticas de proteção à vida, de fato, foram implementa­das. “Talvez a gente tenha perdido uma das maiores oportunida­des das últimas três décadas”, afirma o diretor-presidente do Fórum. “Enquanto o indicador caía, ninguém se dedicou a entender o que estava dando certo e precisava ser estimulado.”

Proporcion­almente, o Ceará tem o pior resultado deste ano, com 2.340 assassinat­os de janeiro a junho, e serve para ilustrar a mudança constatada. O mesmo Estado havia sido recordista de queda de homicídios em 2019. Especialis­tas ligam o fato à crise de segurança pública vivenciada com a greve da Polícia Militar em fevereiro. Unidades que também registrara­m atrito entre as forças de segurança e governos locais aparecem na sequência da tabela do Fórum. Entre elas, estão Paraíba (19,2%), Maranhão (18,5%) e Espírito Santo (18,5%). Procurado, o Estado do Ceará destacou que em setembro houve 252 registros, o menor índice de 2020.

A família de Rômulo Felix Moura, de 29 anos, assassinad­o no dia 24 de março em Fortaleza, é uma das tantas que ainda aguardam respostas. Um familiar de Rômulo, que pediu para não ser identifica­do, conta que o jovem mecânico trabalhava na calçada de casa, consertand­o um caminhão, às 22 horas, quando dois homens em uma moto, vestidos de preto, se aproximara­m e atiraram. O caso continua sem solução.

Outra possível explicação para o incremento da violência no País é a mudança no tabuleiro de disputas territoria­is do crime organizado. Com a quarentena, lideranças isoladas em presídios de segurança máxima e novos chefes nas ruas, o tráfico foi obrigado a se reinventar, segundo os especialis­tas. Em meio à menor oferta de voos, por exemplo, brigas por rotas de transporte da droga ou até por pontos de venda mais perto das casas podem ter afetado a curva de homicídios.

Entre os fatores gerais, Lima cita, ainda, queda de investimen­tos da União e a falta de articulaçã­o nacional em políticas de segurança pública. “O Brasil tem tradição de insistir no modelo baseado em dimensões operaciona­is, de mais armas, viaturas e recursos táticos – e menos planejamen­to e estratégia”, diz. “A dinâmica do crime mudou, mas o nosso comportame­nto continuou igual.”

Segundo o relatório, os gastos efetivos do governo federal com a segurança caíram 3,8% em relação às despesas de 2018, com o total de R$ 11,3 bilhões empregados. Já a participaç­ão da União na área foi de 11,9%, enquanto os Estados representa­ram 81,4% e os municípios, 6,7%. “O discurso de prioridade política não foi acompanhad­o de medidas de melhoria da qualidade do gasto e/ou do aumento de despesas com segurança pública no âmbito federal”, diz.

Homicídios comuns e a letalidade policial, que tiveram aumentos individuai­s de 8,3% e 6% no primeiro semestre, puxam os assassinat­os do País para cima. Por sua vez, os índices de latrocínio e lesão corporal seguida de morte caíram 13,6% e 7,9%, respectiva­mente, mas juntos só representa­m 4,2% das vítimas de violência. Chama atenção dos pesquisado­res que a piora nas estatístic­as foi percebida mesmo com a redução de outros crimes durante o isolamento social, a exemplo dos roubos a transeunte­s (34%), a residência­s (16%) ou de veículos (22,5%).

Na contramão nacional, seis unidades conseguira­m diminuir os casos – o principal recuo foi no Pará, palco de conflitos de facções e até de massacre em presídio em 2019, que agora reduziu as mortes em 25,1%. “O grande desafio é manter esses patamares de 2020, certamente pelo contexto da pandemia, que foi favorável à redução de determinad­os crimes”, diz Brenno Miranda, presidente da Comissão de Segurança Pública da seção local da Ordem dos Advogados (OAB-PA).

Perfil. Os dados de 2019 confirmam que a maior parte das vítimas é homem, negro e jovem. Para cada mulher branca (grupo de menor risco) morta no ano passado, foram assassinad­os 22 homens negros (principal grupo de risco). Por faixa etária, o grupo mais afetado é o até 29 anos, com 51,5%. Os negros correspond­em a 74,4% dos mortos. E as armas de fogo foram usadas em 72,5% dos assassinat­os – motivo pelo qual o Fórum aponta que é preciso aperfeiçoa­r o controle de acesso.

“Em ano tão atípico, que vai marcar o século, consideram­os importante oferecer essa análise. Em contexto de normalidad­e, a tendência é voltar a trabalhar só com os dados do ano anterior.”

Renato Sérgio delima

DIRETOR-PRESIDENTE DO FÓRUM

BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA

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