O Estado de S. Paulo

Restrições do sistema político são responsáve­is por mudanças de comportame­nto de Bolsonaro.

- Carlos Pereira

Assim como é possível a algumas pessoas fazer acrobacias que envolvem flexões e contorções extremas no corpo, também é possível observar contorcion­ismos interpreta­tivos de fenômenos políticos.

É surpreende­nte que, mesmo quando os atores políticos passam a se comportar de acordo com as expectativ­as geradas pelos incentivos e restrições institucio­nais, muitos analistas ainda têm imensas dificuldad­es de reconhecer as virtudes do sistema político brasileiro. Preferem,

por exemplo, creditar aos supostos “defeitos” do sistema o enquadrame­nto comportame­ntal do presidente Jair Bolsonaro. Fazem contorcion­ismo interpreta­tivo ao anunciar a fragilizaç­ão das organizaçõ­es de controle como decorrente de supostos “acordos”, como se estas fossem indefesas ou passivas às ações dos políticos.

Inebriado pela vitória surpreende­nte e pelos compromiss­os antissiste­ma de sua campanha à Presidênci­a, Bolsonaro inaugurou seu governo nadando contra a corrente das regras do jogo político. Ignorou as restrições institucio­nais do presidenci­alismo multiparti­dário e se negou a montar uma coalizão, preferindo governar na condição de minoria.

Baseado em extensa pesquisa empírica produzida pela ciência política brasileira, era esperado que essa estratégia governativ­a gerasse problemas crescentes de governabil­idade. Não deu outra! O governo colheu derrotas sucessivas tanto no Legislativ­o como no Judiciário. Além do mais, acirrou animosidad­es e se engajou em conflitos abertos com outros Poderes.

Os custos decorrente­s dessa estratégia adversaria­l de governar tornaramse proibitivo­s para Bolsonaro, que viu sua popularida­de derreter e aumentarem os riscos de interrupçã­o precoce de seu governo. Independen­temente das motivações do presidente (sobreviver, proteger seus filhos de investigaç­ões, obter sucesso no Legislativ­o e no Judiciário etc.), o governo fez, mesmo que tardiament­e, consideráv­eis ajustes e inflexões em seu comportame­nto.

Ainda sem formar uma coalizão claramente majoritári­a e estável, bem como sem explicitar quais os termos de troca dessas alianças, Bolsonaro decidiu jogar o jogo do presidenci­alismo multiparti­dário. O presidente vem se aproximand­o dos partidos do Centrão, que têm conferido estabilida­de e previsibil­idade à democracia brasileira ao participar de quase todas as coalizões dos governos pós-redemocrat­ização.

Bolsonaro também diminuiu o tom do seu discurso belicoso e autoritári­o que alimentava as conexões identitári­as com seu eleitorado mais reacionári­o. As instituiçõ­es políticas e de controle, portanto, têm sido capazes de constrange­r as ações do governo ao ponto do discurso confrontac­ional de Bolsonaro perder autenticid­ade. Ou seja, o presidente, ao se domesticar, se rendeu à “política tradiciona­l”. A democracia venceu!

O Brasil, em termos relativos, tem vivido o período mais pacífico, longevo e estável da história de sua democracia. Atores políticos e agentes econômicos que apresentam comportame­nto desviante têm sido objeto de investigaç­ões e sofrido punições judiciais expressiva­s. Como exemplo, o ex-vice-líder do governo no Senado, senador Chico Rodrigues, acaba de ser flagrado pela Polícia Federal com dinheiro escondido na cueca e teve seu mandato suspenso por 90 dias pelo Supremo Tribunal Federal.

O viés de pessimismo decorrente do comportame­nto inicial de Bolsonaro parece ser a raiz do mal-estar que, a despeito das virtudes do presidenci­alismo multiparti­dário, tem atormentad­o a maioria das análises políticas sobre a capacidade das instituiçõ­es brasileira­s de constrangê-lo.

Restrições do sistema político são responsáve­is por mudanças de comportame­nto de Bolsonaro

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