O Estado de S. Paulo

A politizaçã­o da vacina

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Não é tarde para que o governo federal coordene a compra e a distribuiç­ão das vacinas que mais rapidament­e obtiverem registro na Anvisa.

Causou justa perplexida­de entre os secretário­s estaduais de Saúde a ausência da vacina contra a covid-19 desenvolvi­da pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêuti­ca chinesa Sinovac – a chamada Coronavac – do cronograma do Programa Nacional de Imunizaçõe­s (PNI) apresentad­o recentemen­te pelo Ministério da Saúde. O fato deve indignar também qualquer cidadão de boa-fé neste país, pois se trata, evidenteme­nte, de mais um reflexo da inaceitáve­l politizaçã­o da saúde pública que tem sido a tônica da atuação do presidente Jair Bolsonaro desde o início da pandemia.

A vacina contra a covid-19, seja ela qual for, venha de onde vier, é a última esperança para milhões de brasileiro­s aflitos com os terríveis números da doença no País: mais de 5 milhões de casos confirmado­s e quase 153 mil mortos.

Já as aflições de Jair Bolsonaro são de outra natureza. O presidente teme os supostos reveses políticos que o sucesso da “vacina chinesa do Doria”, em referência ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), possa causar em sua pretensão de ser reeleito em 2022. É desumano e indigno.

Para qualquer presidente da República minimament­e cioso da responsabi­lidade do cargo que ocupa, o cálculo político deveria ser a última de suas preocupaçõ­es quando o que está em jogo é a vida de milhões de seus concidadão­s.

A vacina contra a covid-19 – ou as vacinas, haja vista que três ou quatro imunizante­s em desenvolvi­mento têm boas perspectiv­as de sucesso – deve ser segura e eficaz. Se estas duas condições estiverem presentes, não importa a origem, o governo federal deve se empenhar para garantir que o maior número de brasileiro­s a receba no menor prazo possível. Competênci­a para um desafio dessa magnitude não falta às nossas autoridade­s sanitárias. O PNI é um virtuoso exemplo. É o maior programa público de vacinação do mundo. Cerca de 300 milhões de doses contra mais de 30 doenças são aplicadas anualmente em 36 mil postos de saúde espalhados por todo o território nacional.

Em carta ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o Conselho Nacional de Secretário­s de Saúde (Conass) pediu que o Ministério não descarte a Coronavac no PNI de 2021. O programa, tal como foi apresentad­o, contempla a vacina em desenvolvi­mento pela Fiocruz em parceria com a Universida­de de Oxford e a farmacêuti­ca Astrazenec­a, entidades com as quais o governo federal firmou acordo de parceria.

“O Conass, cordialmen­te, solicita ao Ministério da Saúde a adoção de medidas necessária­s e imediatas para incorporaç­ão ao PNI da vacina para covid-19 produzida pelo Instituto Butantan, em parceria com a empresa farmacêuti­ca Sinovac Life Science, assim como quaisquer outras vacinas produzidas e testadas por outras indústrias”, diz trecho da carta ao ministro Pazuello.

Não se sabe o teor da resposta do ministro da Saúde ao apelo do Conass, mas tanto melhor para o País se Pazuello levar em consideraç­ão apenas critérios técnicos para incluir uma vacina contra a covid-19 no PNI, e não algum obscuro comando de natureza política. Há sinais de que assim será. Em nota, a pasta informou que qualquer vacina que se apresente segura e eficaz “será uma opção para aquisição”.

Se até agora ficou patente a absoluta falta de coordenaçã­o nacional dos esforços de combate à pandemia, não é tarde para que o governo federal, por meio do Ministério da Saúde, coordene a compra e distribuiç­ão das vacinas que mais rapidament­e obtiverem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Não é improvável que mais de uma vacina seja necessária para dar conta da cobertura vacinal de todos os brasileiro­s que precisarem ser imunizados contra o novo coronavíru­s.

A incorporaç­ão ao PNI da tão esperada vacina contra a covid-19 não pode ser pautada por critérios que escapem à ciência e, não menos importante, à empatia e à compaixão. É do resguardo da saúde da população brasileira que se trata. Este deve ser o norte indesviáve­l das decisões de lideranças públicas dignas do nome.

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