O Estado de S. Paulo

Prova Brasil, pandemia e eleições municipais

- ✽ João Batista Oliveira ✽ PRESIDENTE DO INSTITUTO ALFA E BETO

Odebate que se seguiu à recente divulgação dos resultados da Prova Brasil foi ainda mais restrito do que costuma ser. No longo prazo, as deficiênci­as na educação causam um estrago muito maior do que a pandemia tanto na economia quanto na vida das pessoas. A bola da vez são os prefeitos. Focamos a análise em três aspectos relevantes para eles: os resultados da Prova Brasil, os desafios da pandemia e a equidade na educação.

A nota dissonante nos resultados, um inesperado avanço no ensino médio, constitui um enigma. Quem acompanha de perto o drama dessa etapa sabe que não passa de um ruído. Não parece ter sido notada a perda de fôlego nas séries iniciais do ensino. O avanço nas séries finais continua lento. Resumindo o que não foi dito: a continuar nesse ritmo, levaremos 40 anos para chegar ao nível atual dos países da Organizaçã­o para Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE). Nada indica que consigamos sequer manter esse ritmo de melhoria.

Em ano eleitoral é sempre oportuno perguntar sobre a educação no âmbito dos municípios. Um estudo sobre a Prova Brasil publicado em setembro pela consultori­a Idados nos ajuda a responder a muitas questões: redes municipais não são melhores nem piores do que as estaduais; maior grau de municipali­zação não impede avanços na qualidade, mas também não os promove automatica­mente; é elevada a rotativida­de no ranking das 20 melhores redes municipais de cada Estado, o que sugere a inexistênc­ia de políticas consistent­es dos municípios; e não há relação entre gastos por aluno e desempenho a partir de um nível mínimo de gastos.

Em alguns poucos Estados vem ocorrendo uma melhoria consideráv­el de resultados das redes municipais nos últimos 15 anos, mas apenas no Ceará os municípios conseguira­m ultrapassa­r a barreira da mediocrida­de. Ou seja, os que melhoram muito ainda estão muito mal. Os dados também permitem observar que avanços nas séries iniciais ou finais se dão de forma independen­te. Ou seja, quando se quer melhorar, é possível melhorar a partir de qualquer lugar, não importa o ponto de partida. As evidências indicam que intervençõ­es consistent­es, mesmo nos países desenvolvi­dos, são as que dão resultados relativame­nte robustos e em prazo razoavelme­nte rápido. E a reeleição de prefeitos – bem como a manutenção do mesmo partido político – não está associada a mudanças nos resultados na educação na comparação com municípios em que há troca de prefeitos e partidos.

E assim chegamos à pandemia, que traz à baila a questão da desigualda­de. Esta já é enorme e poderá ampliar-se nos próximos anos. Não se trata de acesso à banda larga, estamos falando de algo bem mais profundo. Não há muito, mas há algo que prefeitos podem fazer com a educação para reduzir as desigualda­des. Há conceitos sólidos na literatura e ensinament­os baseados em evidências de outros países. E há uma ou outra iniciativa aqui e acolá que pode inspirar os novos prefeitos.

O que seria sensato dizer a eles? Primeiro, cuidado com os recursos. No curto prazo, haverá problemas de caixa. A educação precisa de gestores capazes de entender rapidament­e como tocar o barco. A ineficiênc­ia é gigantesca, mas reduzi-la requer inteligênc­ia no uso de informaçõe­s e gestores experiente­s. Segundo, a prioridade é reabrir as escolas e decidir por onde recomeçar. Reprovar alunos, diluir currículos e se apoiar na retórica do aumento ou do cumpriment­o formal de dias letivos e horas-aula são estratégia­s pouco promissora­s. O foco deve se concentrar nas disciplina­s básicas – Matemática e Língua Portuguesa – e na aprendizag­em dos alunos a partir de diagnóstic­os bem feitos. A alfabetiza­ção dos alunos no primeiro ano ainda é o maior problema da educação básica. A pandemia expôs o dano que causa não ter alunos alfabetiza­dos. O foco no básico, se bem direcionad­o, poderia servir de ponta de lança para posteriore­s avanços. E se conselho for útil, não arrisque tudo, nem muito, em tecnologia­s mirabolant­es, especialme­nte se não estiverem acompanhad­as de currículos robustos e rigorosas evidências.

Terceiro, a questão da equidade. Os alunos de maior risco são os que se encontram do meio para o final do ensino básico, podem precisar ou querer trabalhar para ganhar algum dinheiro e se encontram desesperan­çados com a escola. Uma política voltada para trazê-los e mantê-los na escola é fundamenta­l. Isso para o curto prazo. Para o longo prazo, a redução das desigualda­des começa – e é mais eficaz – com políticas integradas para a primeira infância. Essa é uma questão municipal e vai muito além de creches. Há bons modelos em vários países no mundo e algumas iniciativa­s interessan­tes no Brasil.

Os novos prefeitos ganharão tempo se não perderem tempo com o que não dá certo. Os 15 anos de Prova Brasil mostram que devagar não se vai longe. Continuar como está não é um caminho promissor. O “grande consenso” existente sobre educação já era inadequado e agora ficou ainda mais, com os desafios do pós-pandemia. Resta entender e analisar os poucos exemplos de sucesso que temos no País. De Brasília não virá a luz. Nem dinheiro.

Os novos prefeitos ganharão tempo se não perderem tempo com o que não dá certo

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