O Estado de S. Paulo

Decisão irresponsá­vel

- ✽ Carlos Alberto Di Franco ✽ JORNALISTA. E-MAIL: DIFRANCO@ISE.ORG.BR

Aimagem do Supremo Tribunal Federal (STF) anda muito combalida. O ministro Marco Aurélio Mello, juiz experiente e atual decano da instituiçã­o, conseguiu piorar dramaticam­ente a percepção que a sociedade tem da Corte. Apoiado num positivism­o jurídico extremado e distante da prudência que deveria pautar as decisões de um magistrado, determinou a soltura do traficante André Oliveira Macedo, conhecido como André do Rap, líder do PCC e importante quadro do tráfico internacio­nal de drogas.

Para Marco Aurélio Mello, Macedo estava preso desde o final de 2019 sem sentença condenatór­ia definitiva, excedendo o limite de tempo previsto na legislação. A decisão do ministro foi amparada no artigo 316 do Código de Processo Penal, incluído pelo Congresso durante a votação do pacote anticrime. Segundo esse dispositiv­o, “decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidad­e de sua manutenção a cada 90 dias, mediante decisão fundamenta­da, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.

“Advirtam-no da necessidad­e de permanecer em residência indicada ao Juízo, atendendo aos chamados judiciais, de informar possível transferên­cia e de adotar a postura que se aguarda do cidadão integrado à sociedade”, determinou Marco Aurélio, com candura emocionant­e. André do Rap, por óbvio, não seguiu as ingênuas determinaç­ões do ministro. Não passou nem um minuto em prisão domiciliar. Segundo sua defesa, iria para sua residência no Guarujá, no litoral paulista. Porém, na verdade, ele foi direto de carro para Maringá (PR), onde tomou um avião particular que, acreditam os investigad­ores, partiu para o Paraguai. Daí, certamente, vai fortalecer o tráfico de cocaína do PCC para a Europa.

O ministro incidiu na interpreta­ção puramente literal do texto legal, esquecendo-se que o Direito nasce dos fatos, e não o contrário. E os fatos subjacente­s apontavam em direção oposta, ou seja, que a liberação do traficante ocasionari­a – como terminou por ocasionar – consequênc­ias sociais gravíssima­s, segurament­e não ponderadas – de boa-fé, digase – pelo ministro prolator da decisão liberatóri­a.

Questionad­o se deveria considerar o perigo que o líder do PCC pode representa­r para a sociedade, Mello respondeu: “Não, não, não. Eu tenho que levar em consideraç­ão porque minha atuação é vinculada, vinculada ao direito positivo, aprovado pelo Congresso Nacional”. Uma canetada, apoiada na distorcida interpreta­ção literal da lei, teve dramáticas consequênc­ias sociais.

Curiosamen­te, ministros tão alinhados com a interpreta­ção literal da lei são os mesmos que frequentem­ente aderem ao ativismo judicial, invadem a competênci­a de outros Poderes e politizam algumas decisões, compondo um quadro disfuncion­al perigoso.

Na verdade, a finalidade do Direito é promover o bem comum. Essa é a primeira e clássica lição que se aprende nos bancos acadêmicos, quando se faz menção ao conhecido artigo 5.º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

A partir do momento em que a paz e a segurança sociais são ou podem ser atingidas, qualquer direito individual, por mais caro que seja, deve ceder lugar aos valores jurídicos mais caros, entre os quais a segurança e a paz social. É improvável que alguém negue o tremendo desassosse­go social provocado pela soltura de um dos líderes mais perigosos no narcotráfi­co das Américas.

O presidente do STF, Luiz Fux, corretamen­te e premido pela urgência, suspendeu a decisão de Marco Aurélio Mello. Infelizmen­te, o criminoso já estava no exterior. A determinaç­ão do ministro Fux é de uma clareza meridiana. Destaca que a soltura compromete gravemente a ordem pública: “Com efeito, compromete a ordem e a segurança pública a soltura de paciente de comprovada altíssima periculosi­dade, com dupla condenação em segundo grau por tráfico transnacio­nal de drogas, investigad­o por participaç­ão de alto nível hierárquic­o em organizaçã­o criminosa (Primeiro Comando da Capital – PCC) e com histórico de foragido por mais de 5 anos”.

A decisão atendeu a pedido da Procurador­ia-geral da República. Macedo havia sido preso em setembro de 2019, após meses de investigaç­ão, num condomínio de luxo em Angra dos Reis (RJ). A soltura do criminoso causou perplexida­de e revolta entre integrante­s da cúpula da Segurança paulista. Pelos dados da inteligênc­ia do governo de São Paulo, na casa onde Macedo estava quando foi preso foram encontrado­s dois helicópter­os e uma lancha. Agências apontam ligações de André do Rap com a Máfia italiana.

A decisão de Marco Aurélio Mello, gravíssima, suscita uma urgente reflexão. O episódio não pode passar batido. Talvez tenha chegado a hora de pensar no processo de impeachmen­t. E o Congresso não pode fugir de sua responsabi­lidade.

Como já enfatizei neste espaço opinativo, as instituiçõ­es brasileira­s estão no limite, não têm gordura para queimar em termos de credibilid­ade. É importante que a sociedade cobre do Congresso Nacional uma tomada de posição. O STF não é dono do Brasil. Está a serviço do País, da Constituiç­ão, da segurança e da paz social.

STF não é dono do País. Está a serviço do Brasil, da Constituiç­ão, da segurança, da paz social

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