O Estado de S. Paulo

Anistia Internacio­nal critica espiões na COP

Entidade diz considerar ‘grave’ o monitorame­nto de integrante­s de ONGS e movimentos sociais por agentes da Abin no evento da ONU

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A Anistia Internacio­nal divulgou nota anteontem em que critica o governo brasileiro por ter escalado agentes da Agência Brasileira de Inteligênc­ia (Abin) para monitorar a participaç­ão de organizaçõ­es não governamen­tais e movimentos sociais na Conferênci­a do Clima das Nações Unidas (COP-25) no ano passado. Revelada no último domingo pelo Estadão, a vigilância foi publicamen­te admitida pelo ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucio­nal (GSI), Augusto Heleno, na sexta-feira, quando escreveu em sua conta no Twitter que a agência deve acompanhar campanhas internacio­nais apoiadas por “maus brasileiro­s”.

“São graves as notícias veiculadas recentemen­te pela imprensa a respeito do monitorame­nto de movimentos sociais e organizaçõ­es não governamen­tais que participar­am da Cúpula do Clima das Nações Unidas realizada em Madrid, em dezembro do ano passado”, diz a nota da Anistia Internacio­nal. “Técnicas de vigilância e monitorame­nto de opositores políticos foram práticas utilizadas de maneira sistemátic­a durante o regime militar no Brasil e subsidiara­m, por muitos anos, graves violações de direitos humanos.”

A Anistia também criticou o fato de o general Heleno ter classifica­do como “maus brasileiro­s” os integrante­s de ONGS e movimentos sociais com os quais o governo mantém relação conflituos­a. “O direito internacio­nal determina que os indivíduos submetidos a essas práticas de monitorame­nto têm direito a recursos judiciais e reparação do Estado pelas violações de seus direitos humanos”, afirma a Anistia Internacio­nal, que considerou a iniciativa do governo “grave”, “especialme­nte por conta de o Brasil possuir um passado recente de perseguiçõ­es políticas durante o período do regime militar, que durou 21 anos”.

A entidade questionou a Lei de Anistia, de 1979, e mencionou que a Corte Interameri­cana de Direitos Humanos – órgão internacio­nal responsáve­l por aplicar a Convenção Americana de Direitos Humanos, do qual o Brasil é signatário –, concluiu recentemen­te que as violações de direitos humanos contra opositores políticos durante o regime militar constituír­am crime contra a humanidade.

“O direito internacio­nal determina que indivíduos submetidos a essas práticas de monitorame­nto têm direito a reparação do Estado pelas violações de seus direitos humanos” Anistia Internacio­nal

EM NOTA

Incomum. Na semana passada, o ministro do GSI afirmou que a Abin “é instituiçã­o de Estado e continuará cumprindo seu dever em eventos, no Brasil e no exterior”. “Temas estratégic­os devem ser acompanhad­os por servidores qualificad­os, sobretudo quando envolvem campanhas internacio­nais sórdidas e mentirosas, apoiadas por maus brasileiro­s, com objetivo de prejudicar o Brasil”, escreveu Heleno em rede social.

A presença da Abin no principal evento sobre mudanças climáticas do mundo é incomum. O Estadão consultou as listas oficiais das delegações nas edições da COP de 2013 a 2018, em posse das Nações Unidas. Em nenhuma delas aparece o nome de representa­ntes do GSI

ou da Agência Brasileira de Inteligênc­ia.

O envio dos agentes secretos é mais uma evidência da postura conflituos­a do governo Bolsonaro com organismos internacio­nais, ONGS e setores da administra­ção federal ligados ao meio ambiente.

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO

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