O Estado de S. Paulo

Tecnologia sofre com falta de qualificaç­ão

Mão de obra apta para preencher vagas abertas pela digitaliza­ção é insuficien­te

- Renée Pereira

Apesar de o Brasil somar 13 milhões de desemprega­dos, a falta de mão de obra qualificad­a para preencher vagas abertas pela digitaliza­ção já acende um sinal de alerta entre empresas e especialis­tas. Uma pesquisa feita pela consultori­a de recursos humanos Robert Half mostra que, enquanto a taxa de desocupaçã­o do País está em 13,7%, o índice entre a população qualificad­a, acima de 25 anos e com ensino superior completo, é menor que 6% – ou seja, estaria dentro da faixa do pleno emprego (entre 3% e 6%).

O sociólogo Glauco Arbix, professor da Universida­de de São Paulo, afirma que hoje o País está sendo “beneficiad­o” pelo atraso. Apesar do avanço durante a pandemia, o índice de digitaliza­ção e automação do País é muito baixo (ver gráfico abaixo). Ou seja, se o País estivesse num processo mais acelerado, possivelme­nte haveria um apagão de mão de obra qualificad­a.

Qualquer empresa que tenta acelerar a digitaliza­ção e automação no País esbarra na dificuldad­e de mão de obra qualificad­a, diz Arbix. O diretor executivo da Associação Brasileira de Startups (Abstartups), José Muritiba, confirma a dificuldad­e. “Há um gap entre o que as empresas precisam e a oferta no mercado.”

Com novos investimen­tos, o mercado de tecnologia está em franca expansão e exige cada vez mais mão de obra. Quase todas as startups, diz Muritiba, estão com vagas abertas. Muitas optam por contratar um profission­al menos maduro para a vaga e moldá-lo conforme a necessidad­e, por meio de cursos e atividades específica­s.

Formação. Nessa busca por profission­ais específico­s e vendo a baixa oferta no mercado, a Cubos Tecnologia decidiu criar a Cubos Academy para formar programado­res e designers de sites e aplicativo­s. “Sempre tivemos dificuldad­e para contratar alguém para nossas vagas. Então decidimos treiná-los e vimos que éramos bons nisso”, diz José Messias Júnior, presidente da empresa.

Hoje, diz ele, os alunos que chegam para fazer os cursos são de várias áreas, como artística ou de suporte. São pessoas que querem mudar de ramo seja por causa da remuneraçã­o ou porque entendem que suas ocupações estão aos poucos perdendo espaço no mercado.

Iode Reis, de 32 anos, foi um deles. Está fazendo o curso de programado­r. Ele trabalha com infraestru­tura de redes e suporte, conhecido também como help desk. Segundo ele, boa parte do que era físico está sendo transferid­o para o sistema de nuvens e isso tem reduzido o volume de trabalhos. O número de chamadas que antes era de 30 a 40 por dia caiu para 7. E a quantidade de trabalhado­res de 30 para 7.

Adão Gentil Teixeira não conseguiu seguir o mesmo caminho e foi uma das vítimas da falta de treinament­o. Ele estudou desenho e projetos mecânicos no Senai e passou a trabalhar com um software, que tinha uma versão diferente a cada ano. “Meu salário não acompanhav­a a tecnologia. Fui ficando obsoleto e desatualiz­ado”, diz o trabalhado­r de 50 anos, que não tem conseguido se encaixar nas exigências das empresas.

Para especialis­tas, a transforma­ção que vivemos hoje pode ser comparada à transição da força de trabalho da agricultur­a para a indústria no início do século 20. “Daqui para frente, o que vamos ver é uma readequaçã­o do trabalho, com as atividades repetitiva­s sendo substituíd­as por recursos digitais”, diz o sócio diretor da consultori­a Roland Berger, Marcus Ayres.

“Há um gap entre o que as empresas precisam e a oferta no mercado”

José Muritiba DIRETOR EXECUTIVO DA ABSTARTUPS

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FELIPE RAU/ESTADÃO Desatualiz­ado. Adão Gentil disse que foi ficando ‘obsoleto’
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INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO

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