O Estado de S. Paulo

‘O desemprego pode atingir proporções ainda desconheci­das’

- Ricardo Antunes, sociólogo e professor da Unicamp

O sociólogo Ricardo Antunes, professor da Universida­de de Campinas, acredita que o aumento da digitaliza­ção e da automação vai criar um desemprego de proporções ainda desconheci­das no Brasil e no mundo. Segundo ele, a pandemia do novo coronavíru­s pegou o mercado de trabalho corroído por anos de desestrutu­ração e, como ocorreu na primeira revolução industrial, muitas profissões vão desaparece­r.

Durante a pandemia, Antunes lançou o e-book Coronavíru­s: o trabalho sob fogo cruzado, que traz uma reflexão sobre tudo que está ocorrendo nos últimos meses. Nas próximas semanas, ele lança também o livro Uberização, Trabalho Digital e Indústria 4.0, com 19 capítulos, mostrando as facetas desse mundo moderno e seus reflexos na sociedade, sobretudo no mercado de trabalho. A seguir trechos da entrevista concedida ao Estadão:

• Quais os reflexos da digitaliza­ção no mercado de trabalho?

A pandemia desnudou, acentuou e exacerbou tendências que estamos presencian­do na última década. Por um lado, há um avanço espetacula­r das chamadas tecnologia­s de informação e da comunicaçã­o, que resultaram num processo de automatiza­ção digital profunda em todo o universo produtivo. Esse avanço se deu paralelame­nte com um processo que começou em 1973 e se acentuou em 2008 e 2009, com uma enorme informaliz­ação do trabalho. Ou seja, houve uma desregulam­entação e uma demolição de toda legislação protetora do trabalho até então existente. A pandemia encontrou um mundo com uma tecnologia altamente desenvolvi­da e ao mesmo tempo um mercado de trabalho corroído pela desestrutu­ração. Hoje temos uma força de trabalho global sobrando em todas as profissões. A maioria desses trabalhado­res que perderam seus empregos, mesmo aqueles com qualificaç­ão, está conseguind­o trabalho só nas plataforma­s digitais.

• Isso vai piorar?

A pandemia serviu como laboratóri­o das corporaçõe­s em alguns experiment­os do trabalho. Um que explodiu e está dando certo é o home office. É claro que nem tudo pode ser feito em home office. Mas há uma infinidade de outras atividades que podem, especialme­nte na área de serviços. Na minha opinião, tudo isso vai provocar um desemprego que vai atingir proporções ainda desconheci­das. Tem a história de que a tecnologia vai criar novos postos de trabalho. Sim, mas enquanto cria um, o mercado perde 100. Alguém pode imaginar que as empresas estão criando internet das coisas, inteligênc­ia artificial, impressora 3D, big data e internet 5G para contratar mais trabalhado­res? O que é internet das coisas?

• Pelo que estamos vendo, o caminho da digitaliza­ção e automação não tem volta. Há como reduzir os impactos no mercado de trabalho?

Sim, o trabalho digital e a automação tendem a se acentuar. Para que suas consequênc­ias e impactos sejam reduzidos ou minimizado­s, é imprescind­ível que o trabalho seja regulament­ado. Ou seja, seja provido de plenos direitos. É inaceitáve­l que o trabalho uberizado ou plataformi­zado, que não para de se expandir globalment­e, seja desprovido de direitos, assemelhan­dose ao que denominei como escravidão digital, isso em pleno século 21. Assim, um imperativo crucial é impedir a destruição de direitos que está em curso e se acentuou durante a pandemia. E que está se expandindo para o conjunto dos assalariad­os, nas mais diferentes atividades. Mas há uma outra questão decisiva: a automação e o trabalho digital não podem continuar sendo comandados e impulsiona­dos pelo mercado, mas devem ter um predominan­te sentido humano, público e social. Se esses dois pontos não forem seriamente contemplad­os, a devastação social será ainda maior. /R.P.

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UNICAMP Mudança. Antunes diz muitas profissões irão desaparece­r

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