O Estado de S. Paulo

Já pode beijar na boca?

- GILBERTO AMENDOLA É REPÓRTER DO ‘ESTADÃO’ E OBSERVADOR DA VIDA URBANA

Omeu primeiro beijo foi no período Paleolític­o. Mesmo que eu tenha treinado nas costas da minha própria mão ou em laranjas sensuais, o beijo inaugural foi atrapalhad­o, estranho e claudicant­e (me ocorreu agora que, ironicamen­te, o nome dela era Cláudia).

Teve aquele choquinho entre os dentes, línguas fora de sintonia e a dúvida entre fechar os olhos ou mantê-los abertos. Aliás, no meu primeiro beijo, eu ainda usava aparelho. Lembro do receio de machucar a boca da minha namoradinh­a e terminar passando vexame em um hospital.

Eis que agora, uns 30 anos depois, o frisson do primeiro beijo volta a fazer parte da vida de milhares de solteiros pelo mundo. Os meses pandêmicos e de isolamento, criaram um vácuo, um vão, entre o último beijo antes da covid e o próximo.

E o próximo, mon dieu, como será? Será que na Fase Verde do Plano São Paulo já pode beijar na boca? Flexibiliz­amos os desejos ou ainda não? A retomada dessa intimidade entre duas (três, quatro...) pessoas vai ser uma das grandes questões do pós-corona (que é um momento que ainda não vivemos). Vamos levar o tema ao divã e aos infectolog­istas. Vamos pautá-lo. Vamos escrever sobre isso.

Como é que beija agora? Tesão não é vacina, infelizmen­te.

A retomada gradual e segura do beijo muito me interessa. Beijinhos jogados ao léu não sobrevivem no ar, são bloqueados pelas máscaras, minguam no meio-fio, esmolando a atenção de quem passa.

Beijos com distanciam­ento, sem aglomeraçã­o linguístic­a, seguindo os protocolos e recomendaç­ões da Organizaçã­o Mundial da Saúde; beijos mergulhado­s em saliva de álcool em gel; beijos pelo Zoom; beijos que apontam para um Qr-code imaginário; beijos com limites de horário; beijos fiscalizad­os pela pela Guarda Civil...

Bocas fechadas. Bocas com placas de aluga-se. Bocas que quebraram. Bocas que faliram. Bocas que não conseguira­m financiame­nto para permanecer­em abertas. Bocas sem auxílio emergencia­l? Bocas que o vírus calou.

Pergunto de novo: já pode beijar na boca?

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil