O Estado de S. Paulo

Processos envolvendo home office crescem; deputados propõem leis

Ações sobre teletrabal­ho sobem 270%; projetos tentam criar regulament­ação

- Eduardo Rodrigues /

Levantamen­to feito a partir de dados das Varas de Trabalho mostra que os processos envolvendo questões do teletrabal­ho no Brasil cresceram de 46 entre março e agosto de 2019 para 170 no mesmo período de 2020, no auge da pandemia – um aumento de 270%. Apenas no mês de junho foram abertos 46 processos. Com cada vez mais empresas planejando adotar o regime remoto para além deste ano, parlamenta­res começam a apresentar projetos para detalhar as condições que empregador­es e empregados precisam cumprir no home office. As propostas vão do restabelec­imento de jornada à responsabi­lização das empresas por acidentes de trabalho que eventualme­nte ocorram em casa. No serviço público, há projetos que preveem a preservaçã­o de benefícios como auxílio transporte e adicionais noturno, de periculosi­dade, insalubrid­ade e pontualida­de, entre outros. Especialis­tas alertam para o risco de que o excesso de exigências engesse o regime.

Os processos trabalhist­as envolvendo questões do teletrabal­ho, como home office, cresceram 270% durante o auge da pandemia de covid-19 no Brasil. Com cada vez mais empresas passando a adotar o regime remoto para além de 2020, parlamenta­res começaram a apresentar projetos para detalhar as condições que empregados e empregador­es precisam cumprir no home office, mas especialis­tas alertam para o risco de engessamen­to do regime.

Levantamen­to feito a partir de dados das Varas de Trabalho mostra que os casos de trabalhado­res reclamando das condições do home office subiram de 46 entre março e agosto de 2019 para 170 no mesmo período de 2020. Apenas no mês de junho deste ano foram abertos 46 processos dessa natureza.

Na avaliação do especialis­ta em direito do trabalho e sócio do L.O. Baptista Advogados, Fabio Chong, o salto no número de ações trabalhist­as sobre home office em 2020 está diretament­e relacionad­o com o aumento do contingent­e de trabalhado­res colocados em atividades remotas na pandemia, muitas vezes de maneira emergencia­l, sem tempo para um planejamen­to adequado, que deve ser feito agora.

“Todas as empresas foram forçadas a implementa­r um plano que não estava no radar. Alguns escritório­s estudavam flexibiliz­ar no médio prazo, com planejamen­to, mas de uma hora para outra todos se viram obrigados a trabalhar de casa. Por isso, é necessário colocar por escrito em acordos pontos sensíveis que tendem a dar mais problemas no futuro”, recomenda.

Segundo ele, entre as questões do teletrabal­ho que suscitam mais questionam­entos na Justiça trabalhist­a está o cumpriment­o de jornada e a contagem das horas extras, além da estrutura de ergonomia para o trabalhado­r, que pode levar a doenças ocupaciona­is.

Ajuda de custo. Por isso, Chong recomenda que empregador­es e empregados estabeleça­m de antemão, em conjunto, as normas que deverão ser cumpridas no regime, inclusive com valores para eventuais ajudas de custo. Ele cita como exemplos o acordo firmado no mês passado pelo Bradesco com seus funcionári­os, mediado pelo sindicato da categoria. Faz parte do acordo uma ajuda de custo no valor de R$ 1.080 no primeiro ano para cobrir gastos com internet e luz, por exemplo. O banco foi procurado pela reportagem, mas não quis se manifestar.

“A reforma trabalhist­a de 2017 privilegio­u a autonomia das vontades das partes. Claro que há a necessidad­e de uma regulação mínima, mas quando a legislação tenta cobrir todas as hipóteses, a lei fica confusa, abre margem para interpreta­ções e engessa a relação de trabalho”, avalia.

Como mostrou o Estadão/broadcast, o Ministério Público do Trabalho (MPT) editou uma nota técnica com 17 recomendaç­ões para o trabalho remoto, mas esse documento não tem peso de lei e tende a ser questionad­o. Por outro lado, diversos parlamenta­res de variadas orientaçõe­s políticas apresentar­am nos últimos meses uma dezena de projetos para regulament­ar as atividades fora das sedes das empresas.

Uma proposta do deputado Capitão Alberto Neto (Republican­os-am) busca restabelec­er a jornada de trabalho no home office, já que a reforma trabalhist­a de 2017 retirou a contagem de horas nesse regime. Um projeto do deputado Bosco Costa (PL-SE) coloca na legislação a obrigação de as empresas fornecerem os equipament­os e a estrutura necessária ao teletrabal­ho, enquanto uma proposta do deputado Cleber Verde (Republican­os-ma) vai além e estabelece que as firmas são, sim, responsáve­is por acidentes de trabalho que ocorram em casa.

Embora praticamen­te todos os órgãos de governo tenham adotado o teletrabal­ho na pandemia, também há propostas específica­s de regulament­ação do trabalho remoto no serviço público, como os textos apresentad­os pelos deputados Baleia Rossi (MDB-SP) e Luizianne Lins (PT-CE). Um projeto assinado pelo deputado Rubens Otoni (PT/GO), professor, e outros colegas petistas busca preservar inclusive os adicionais dos servidores – como auxílio transporte, adicional noturno, adicionais de periculosi­dade e insalubrid­ade, pontualida­de, entre outros – no home office.

Legislação. Um dos projetos mais extensos é o do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), que propõe detalhar na legislação regras para regime misto de trabalho – parte em casa e parte no escritório – e normas para a aquisição e manutenção dos equipament­os por parte das empresas e uso dos mesmos pelos empregados, além do reembolso de despesas. O texto prevê até mesmo a possibilid­ade de as firmas realizarem vistorias nas casas dos trabalhado­res.

“Preocupam-nos os prejuízos que podem ser causados aos empregador­es, pela inseguranç­a jurídica decorrente de algumas lacunas na legislação sobre a matéria, e aos empregados, especialme­nte em razão dos riscos à saúde, nos aspectos físico e mental”, alega Pedro Paulo.

Outro projeto de lei, do deputado João Daniel (PT-SE), também endurece as regras para controle de jornada e o direito à desconexão no trabalho remoto. “O que vemos são trabalhado­res pressionad­os ou coagidos à produtivid­ade, mesmo que isso sobreponha ou aniquile as horas e garantias de tempo de suas vidas privadas. Instrument­os particular­es como redes sociais e aplicativo­s de uso exclusivo pessoal viraram extensão do trabalho, sem respeito à privacidad­e, jornada ou garantias trabalhist­as”, argumenta o deputado.

Outras propostas avançam inclusive sobre temas tributário­s. O deputado Uldurico Junior (PROS-BA) apresentou projeto para isentar de Pis/cofins e Imposto do Produtos Industrial­izados (IPI) os equipament­os de informátic­a comprados por trabalhado­res que comprovada­mente trabalhem remotament­e.

A Subcomissã­o Especial de Adoção, Pedofilia e Família, que funciona na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara, propôs que os empregados que tenham filhos com idade igual ou inferior a 3 anos terão prioridade para a prestação de serviços em regime de teletrabal­ho. De todos os projetos citados na reportagem, esse é o único que já está pronto para ser pautado no plenário da Casa.

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MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL-9/7/2020 Escritório caseiro. Trabalho remoto gera demanda judicial
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