O Estado de S. Paulo

Sem aprovação automática

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Séria, sabatina no Senado deve ser capaz de confirmar se Kassio Nunes Marques preenche requisitos para ser ministro do STF.

AComissão de Constituiç­ão e Justiça (CCJ) do Senado deve sabatinar amanhã o desembarga­dor Kassio Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) com a aposentado­ria do ministro Celso de Mello. Depois da análise pela CCJ, cabe ao plenário do Senado decidir sobre o nome indicado. A aprovação requer maioria absoluta dos senadores.

Em respeito à Constituiç­ão, todo o procedimen­to no Senado relativo à escolha de um novo ministro do STF deve ser cumprido de forma absolutame­nte rigorosa. Os acertos políticos devem dar espaço a uma análise serena e conscienci­osa pelos membros da CCJ e, depois, pelo plenário do Senado. Em vez de conveniênc­ias político-partidária­s, o que deve orientar a sabatina é a responsabi­lidade de atestar o cumpriment­o dos requisitos constituci­onais para o Supremo.

As condições são claras: notável saber jurídico e reputação ilibada. Não são requisitos abstratos ou de difícil aferição. Por exemplo, o texto constituci­onal exige que o saber jurídico do indicado seja facilmente percebido por todos.

Se há alguma dúvida a respeito do grau de conhecimen­to jurídico do indicado, o requisito constituci­onal não está preenchido.

O mesmo ocorre com a reputação ilibada. A Constituiç­ão exige que os cidadãos escolhidos para compor a mais alta Corte do País tenham reputação “límpida, intacta, sem mancha, sem sombra, sem nenhuma suspeita”, como se escreveu neste espaço. Vale lembrar que a sabatina no Senado não é o julgamento de uma ação penal, como se eventual dúvida relativa à sua reputação devesse favorecer a aprovação do nome indicado, numa espécie de in dubio pro reo.

A Constituiç­ão prevê uma lógica diferente. Havendo dúvida sobre o conhecimen­to jurídico ou a reputação da pessoa indicada, seu nome deve ser rejeitado – e isso não é nenhum demérito, pois a rigor não existe postulante à vaga. Como escreveu, em dezembro de 1992, o ministro do STF Paulo Brossard ao então presidente da República Itamar Franco, “é preciso não esquecer que ninguém, por mais eminente que seja, tem direito de postular o cargo (de ministro do Supremo), que não se pleiteia, e aquele que o fizer, a ele se descredenc­ia”.

Se o Senado deve sempre realizar a sabatina dos indicados ao Supremo de modo criterioso, a análise do nome indicado pelo presidente Jair Bolsonaro requer especial cuidado. Em primeiro lugar, porque o próprio presidente da República tem dito que, na definição do nome a ser indicado ao Supremo, usou critérios muito diferentes dos previstos na Constituiç­ão. “Kassio Nunes já tomou muita tubaína comigo. (...) A questão de amizade é importante, né? O convívio da gente”, disse Jair Bolsonaro numa live.

Sem maiores pudores, o presidente Bolsonaro admite que deseja se valer do poder de indicar novos ministros do Supremo para colocar amigos na Corte – e que, uma vez lá dentro, eles continuem atuando como amigos e defensores de seus interesses. Mais do que magistrado­s,

Jair Bolsonaro almeja aliados – se possível, vassalos – do governo dentro do STF. Logicament­e, o Senado não pode ser conivente com essa declarada tentativa de subjugar o Supremo a interesses subalterno­s.

Além disso, vieram a público inconsistê­ncias no currículo de Kassio Nunes Marques. A sabatina não é uma prova de títulos, mas é uma avaliação sobre a reputação da pessoa indicada. Como dispõe a Constituiç­ão, não cabem inconsistê­ncias na vida de um ministro do Supremo.

No relatório apresentad­o à CCJ, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) minimizou as questões curricular­es. Teria sido tão somente “uma confusão semântica”, bem como “uma suposta sobreposiç­ão cronológic­a nos cursos que frequentou”. Que o Senado não minimize sua responsabi­lidade constituci­onal na sabatina. Poucos atos da vida pública têm tantos e tão duradouros efeitos sobre a vida dos brasileiro­s e o funcioname­nto do Estado como a nomeação de um novo ministro do STF. Não cabe aprovação automática. Séria, a sabatina deve ser capaz de confirmar, longe das margens da dúvida, que o interessad­o preenche os requisitos constituci­onais.

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