O Estado de S. Paulo

O domínio das milícias

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Ainda não somos a Colômbia, mas o exemplo do Rio mostra o caminho para chegar lá.

APolícia Civil do Rio de Janeiro criou há duas semanas uma força-tarefa para tentar impedir que milícias intimidem candidatos e eleitores e, assim, influencie­m o resultado das eleições para a prefeitura e a Câmara dos Vereadores. É uma medida de extrema importânci­a, pois não há democracia onde não há eleições livres e com condições de igualdade entre candidatos. Aparenteme­nte, contudo, o aparato estatal de segurança e de aplicação da lei chegou tarde: pesquisa realizada por diversos centros acadêmicos especializ­ados em criminalid­ade informa que mais da metade do território carioca já está sob domínio dos grupos paramilita­res.

O estudo intitulado Mapa dos Grupos Armados do Rio de Janeiro, resultado de parceria entre grupos de estudo da Universida­de Federal Fluminense e da Universida­de de São Paulo, além de plataforma­s que agregam dados sobre violência armada, mostra que 55,7% da cidade é controlada pelas milícias.

O mesmo estudo indica que outros 15,4% do território são dominados por facções de narcotrafi­cantes. Há ainda 25,2% que estão sob disputa de milícias e facções. Apenas 1,9% da cidade do Rio de Janeiro não tem a presença de nenhum desses grupos do crime organizado.

É um cenário alarmante. A segunda maior metrópole do País, antiga capital da República, está hoje quase completame­nte tomada por bandos criminosos, que submetem os cidadãos a todo tipo de violência e, na base da intimidaçã­o, constroem sólida rede de poder.

O Estado se ausentou há tanto tempo das áreas periférica­s e dos morros do Rio de Janeiro que a expansão da estrutura criminosa naquelas localidade­s chega a ser uma consequênc­ia natural. Mas quando se constata que quase não há lugar do Rio de Janeiro livre de milicianos e narcotrafi­cantes, conclui-se que tal situação decerto não é fruto apenas da omissão do Estado, mas da colaboraçã­o ativa de parte de seus agentes e representa­ntes com o crime organizado. Em 2009 – há mais de uma década, portanto –, a Polícia Civil do Rio anunciava a criação de um grupo de trabalho para aperfeiçoa­r as investigaç­ões sobre os crimes cometidos pelas milícias. Pelo que se observa do estudo sobre o domínio do crime organizado na região metropolit­ana do Rio, esse esforço foi, no mínimo, insuficien­te.

A pesquisa mostra que 33,1% da população da cidade do Rio está em regiões em que as milícias atuam. Já as áreas controlada­s pelo tráfico de drogas concentram 24% dos cariocas. Outros 41,4% estão em regiões disputadas por narcotrafi­cantes e milicianos. Somente 1,5% dos cariocas são cidadãos plenos – isto é, são livres para fazer suas escolhas e não estão submetidos a um poder paralelo, para o qual as leis que regem a vida numa democracia não valem e as diferenças são resolvidas em geral à bala.

A consolidaç­ão desse imenso domínio passa necessaria­mente pela conquista do poder político. Já se sabe que os grupos paramilita­res lançaram seus candidatos a cargos eletivos, vários dos quais sob a bandeira da segurança pública. Muitos são policiais, tanto aposentado­s como da ativa, que prometem justamente combater o narcotráfi­co, o que configura um inegável apelo político-eleitoral para uma sociedade assustada com a violência.

O financiame­nto desses grupos vem sobretudo da extorsão, ao estilo da Cosa Nostra siciliana. Nas áreas sob seu domínio, cobram dos moradores taxas sobre o fornecimen­to ilegal de serviços como TV a cabo, água, luz, transporte e segurança. De uns tempos para cá, os milicianos entraram também no ramo imobiliári­o, por meio de grilagem e construção de prédios em áreas irregulare­s.

Esse domínio territoria­l, paralelo à conquista do poder político, ameaça alijar de vez o Estado de parte significat­iva de uma das principais cidades do País. É bom lembrar que foi assim que a Colômbia se transformo­u em terra de ninguém, entregue até recentemen­te a cartéis de drogas, a narcoguerr­ilhas e a grupos paramilita­res. Ainda não somos a Colômbia, é claro, mas o exemplo do Rio de Janeiro mostra qual é o caminho mais curto para chegar lá.

Ainda não somos a Colômbia, mas exemplo do Rio mostra o caminho mais curto para chegar lá

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