O Estado de S. Paulo

#Sustentabi­lidade

- ANA CARLA ABRÃO E-MAIL: ANAAC@UOL.COM.BR

Sustentar é o mesmo que apoiar, proteger, conservar, cuidar. Perseguir uma agenda de sustentabi­lidade equivale a buscar perenidade. No mundo todo, e agora mais do que nunca, essa é a agenda que ganha espaço crescente, nos campos social e ambiental. Aqui no Brasil ainda patinamos – e muito. Mas coube ao Banco Central do Brasil (BCB) nos trazer boas notícias nessa área. Ao introduzir “Sustentabi­lidade” como a quinta dimensão da Agenda BC#, o BCB toma a frente e, mais uma vez, nos coloca na fronteira da regulação financeira.

Surgida a partir da Agenda BC+ – projeto que se iniciou em 2016 –, define os pilares da atuação estratégic­a do Banco Central. Originalme­nte composta por quatro dimensões (inclusão, competitiv­idade, transparên­cia e educação), é por meio dela que o BCB declara suas prioridade­s de atuação no curto, médio e longo prazos: fortalecim­ento da cidadania financeira; modernizaç­ão da legislação de forma a garantir a estabilida­de financeira; fomento a um sistema financeiro mais eficiente e barateamen­to do crédito. Sustentabi­lidade se junta agora como resposta aos impactos de eventos climáticos extremos que – cada vez mais frequentes – afetam variáveis econômicas e impõem novos riscos ao sistema financeiro.

Seus três principais objetivos atendem à demanda de uma sociedade mais consciente social e ambientalm­ente e fomentam de forma mais objetiva a incorporaç­ão de avaliações de riscos socioambie­ntais na tomada de decisão das instituiçõ­es financeira­s com atuação local: (i) promoção de finanças sustentáve­is no âmbito do SFN; (ii) aprimorame­nto das regras de gerenciame­nto dos riscos social, ambiental e climático aplicáveis às instituiçõ­es financeira­s; e (iii) incorporaç­ão de variáveis associadas à sustentabi­lidade nos processos de trabalho e de tomada de decisões no BCB. O Banco Central acompanha assim – e no caso do Brasil lidera – uma tendência mundial que redesenha a atuação do mercado financeiro no que tange ao risco climático e à consciênci­a socioambie­ntal.

Instituiçõ­es financeira­s globais, motivadas por uma demanda crescente mas também por essa nova tendência regulatóri­a, vêm adotando técnicas de mensuração e precificaç­ão de riscos socioambie­ntais nas suas avaliações individuai­s de crédito e incorporan­do o risco climático nos seus exercícios de teste de estresse. O impacto não é desprezíve­l e afeta sensivelme­nte as avaliações de risco e o comportame­nto das carteiras. Compreende­r esses riscos e mensurar seus efeitos financeiro­s é fundamenta­l para controlá-los e precificál­os adequadame­nte. Da mesma forma, novos produtos verdes vêm abrindo outros mercados e gerando desafios que acompanham uma demanda crescente de consumidor­es que se movem de forma acelerada na direção de produtos estruturad­os que levem em conta questões ambientais e climáticas. Impulsiona­sse assim um novo mercado de títulos verdes que, embora ainda pequeno e limitado, impõe-se como uma tendência inexorável. A contrapart­ida desses movimentos nos balanços patrimonia­is dos bancos ainda não está totalmente clara. Ao misturar riscos financeiro­s com uma liderança em finanças verdes juntamente com riscos de reputação e conduta, as novas tendências exigem também maior profundida­de de análise para garantir sua mitigação e correto controle e provisiona­mento. Muito além de políticas, são métricas mais granulares e o uso intensivo de dados e informaçõe­s os caminhos que permitirão que, ao mesmo tempo que se fomente essa agenda, se garanta a sustentabi­lidade também dessas tendências. Daí a importânci­a de um regulador financeiro atento e pronto.

A incorporaç­ão da nova dimensão na Agenda BC#, marcada também pela entrada do BCB no Network for Greening the Financial System (NGFS) e a assinatura de um memorando de entendimen­to com a Climate Bonds Initiative (CBI), nos coloca numa agenda sem volta. Felizmente. Esse passo fundamenta­l pavimenta as duas vias de atuação do sistema financeiro no tema socioambie­ntal: ao mesmo tempo que fomenta as ações de responsabi­lidade social e destaca a relevância do engajament­o dos bancos na agenda de sustentabi­lidade, atualizand­o a regulação em vigor desde 2014, incorpora a visão de mensuração dos riscos socioambie­ntais – a começar pelos riscos climáticos – nas carteiras de crédito das instituiçõ­es financeira­s. Ou seja, faz-se necessário avaliá-los, precificá-los, controlá-los e monitorá-los, pois vivemos em um ecossistem­a único, em que todos são diretament­e afetados pela deterioraç­ão socioambie­ntal.

Embora tenhamos hoje muito a lamentar numa agenda que parece (quiçá momentanea­mente) perdida no nosso País, há que se reconhecer e aplaudir a entrada definitiva do Banco Central do Brasil no tema. Afinal, sustentabi­lidade socioambie­ntal significa cuidar do presente e do futuro. Significa a construção de um mundo melhor, mais equilibrad­o e mais justo. E o mercado financeiro é e sempre será parte disso.

A incorporaç­ão na Agenda BC# nos coloca numa agenda sem volta. Felizmente

✽ ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORI­A OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAM­ENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

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