O Estado de S. Paulo

Ator está no filme ‘Fuga de Pretória’

Ator é protagonis­ta de filme que traz história real de brancos que ajudaram na luta contra o apartheid na África do Sul

- Mariane Morisawa

Desde pequeno, o diretor Francis Annan ouvia falar de política – seu avô foi um dos juízes da Suprema Corte e presidente do Parlamento de Gana, e viajava o mundo representa­ndo seu país. Ele ia à África do Sul e voltava contando essas histórias absurdas sobre os sul-africanos negros. “Imagino que era como os países da Europa Ocidental olhavam para a então Checoslová­quia, por exemplo. É um país tão próximo e, ao mesmo tempo, tão distante”, disse Annan em entrevista ao Estadão. Então, quando ele ouviu a história de Tim Jenkin e Stephen Lee, dois sul-africanos brancos que fugiram do presídio depois de condenados por ajudar na luta contra o apartheid, o regime de segregação racial na África do Sul, em 1979, a identifica­ção foi imediata. “Era um ângulo novo na história, porque normalment­e em filmes sobre o apartheid vemos pessoas africanas com Kalashniko­v, boinas. Não pensamos em brancos de classe média”, contou Annan.

Assim nasceu o longa-metragem Fuga de Pretória, que está em cartaz em algumas cidades onde os cinemas reabriram e que será exibido na TNT na sexta, 23, às 22h30. Baseado nas memórias de Jenkin, conta com Daniel Radcliffe no papel principal e Daniel Webber como Stephen Lee. Ele tinha duas rotas possíveis: fazer um filme de prisão ou um longa sobre a fuga. Ele optou pelo segundo, destacando a estratégia utilizada para escapar, tão trabalhosa quanto brilhante. O cineasta assistiu a quase 60 filmes para inspiração, mas ficou mais encantado com dois: Um Condenado à Morte Escapou (1956), de Robert Bresson, e A Um Passo da Liberdade (1960), de Jacques Becker. “Eu gostei da simplicida­de e da intensidad­e dos dois”, disse Annan. “Claro que Fuga de Pretória é uma produção mais Hollywood, mais comercial, mas ainda assim há essas influência­s europeias.”

Annan se encontrou algumas vezes com Jenkin e Lee para captar outros detalhes da história. Uns dias antes da filmagem, que acabou tendo de ser na Austrália e não na África do Sul por questões de financiame­nto, o diretor e os atores se reuniram num cinema em Londres para fazer uma videoconfe­rência com Jenkin. “Eles conversara­m por uma hora e meia”, contou Annan. Algumas das informaçõe­s foram parar no roteiro, por exemplo, quando Jenkin precisa esconder objetos numa cavidade corporal. “Daniel Radcliffe e eu íamos interpreta­r a dor e o desconfort­o, mas Jenkin disse que, na verdade, era bem fácil, nem dava para notar. Então, essa informação foi muito preciosa”, disse o cineasta, com ar divertido. Jenkin também visitou o set. Um terceiro personagem, que fugiu da prisão de Pretória com Jenkin e Lee, preferiu não participar do filme e por isso seu nome foi trocado para Leonard Fontaine (Mark Leonard Winter). “Basicament­e tudo o que acontece ao personagem Fontaine aconteceu de verdade. Ele é um cara muito bacana, cheio de energia, como aparece no filme. Mas disse que não queria remexer o passado, e que tudo bem se trocássemo­s seu nome, da sua mulher e do filho. Claro que em cinco segundos de pesquisa dá para saber quem é.”

Annan tentou ser fiel ao livro e focar mais na fuga. Mas há trechos aqui e ali que explicam um pouco o pensamento político de Jenkin e sua luta pela igualdade de direitos. “Por exemplo, ele observa como até a prisão é segregada”, contou ele, referindo-se ao fato de os prisioneir­os políticos negros iam para Robben Island, enquanto os brancos ficavam em Pretória – o único negro no filme é um empregado da penitenciá­ria. Em uma cena, diversos personagen­s debatem sobre a melhor forma de lutar contra o apartheid. Ainda assim, Annan, que sempre quis fazer um casamento de cinema e política, acredita que o filme tem capacidade de despertar discussões, especialme­nte num momento de movimentaç­ão mundial. “Dá para ver um espectro étnico maior nos protestos em relação aos movimentos pelos direitos civis da década de 1960”, disse. “E apesar de o ‘Black Lives Matter’ ser uma luta específica sobre a brutalidad­e policial contra negros nos Estados Unidos, abriu espaço para falar de injustiças ao redor do mundo. A história de Jenkin e Lee mostra como é preciso superar a divisão e haver uma solidaried­ade de brancos ou de outro grupo majoritári­o na luta das minorias. Fuga de Pretória também deixa claro que muita coisa continua igual 40 anos depois. Há muitas conexões entre este filme sobre o apartheid e hoje.”

‘A HISTÓRIA DE JENKIN E LEE MOSTRA COMO É PRECISO SUPERAR A DIVISÃO’

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TNT Novo ângulo. Em ‘Fuga de Pretória’, Daniel Radcliffe e Daniel Webber vivem dois sul-africanos que escapam do presídio

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