O Estado de S. Paulo

Fux tira de Marques caso de Bolsonaro

Na véspera da sabatina de desembarga­dor no Senado, presidente da Corte redistribu­i procedimen­to que mira presidente Bolsonaro; ministro Alexandre de Moraes será o relator

- Breno Pires Vinícius Valfré / BRASÍLIA

Alexandre de Moraes vai ficar com o inquérito que apura supostas interferên­cias do presidente na PF. Caso poderia ir para Kassio Marques, que hoje será sabatinado.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, determinou ontem um sorteio que definiu o ministro Alexandre de Moraes como relator do inquérito em que o presidente Jair Bolsonaro é investigad­o por suposta interferên­cia na Polícia Federal. A medida, na prática, impede que o desembarga­dor Kassio Marques – escolhido de Bolsonaro para a vaga antes ocupada pelo ministro Celso de Mello – herde a relatoria do caso. A iniciativa de Fux foi tomada um dia antes de o Senado analisar a indicação de Marques para o Supremo. O desembarga­dor federal será sabatinado hoje pelos senadores e a previsão é de que seu nome seja referendad­o por ampla maioria.

O plano inicial de Fux era deixar que o sucessor de Celso de Mello também assumisse a relatoria do inquérito, mas ele mudou de posição. Pelas regras do STF, sempre que um ministro se aposenta, o sucessor fica com seus processos. Há uma exceção no regimento, para os casos em que o interessad­o no processo ou o Ministério Público solicitar redistribu­ição.

Fux justificou que o sorteio imediato se deu “em função da celeridade inerente a um inquérito” e disse que a medida atende à defesa do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, também investigad­o. Foi Moro que, em abril, acusou Bolsonaro de interferir politicame­nte na PF para proteger seus filhos.

Ministros do Supremo ouvidos reservadam­ente pela reportagem disseram apoiar a medida de Fux. Um dos magistrado­s considerou a iniciativa positiva para o próprio Marques, pois retira das costas do indicado questionam­entos que ele poderia receber caso assumisse a relatoria – perguntas sobre o tema, inclusive, eram esperadas na sabatina de hoje no Senado.

O resultado do sorteio não agradou ao Planalto, que preferia ter o indicado pelo presidente como relator. Moraes não é um ministro alinhado ao governo e se tornou alvo de bolsonaris­tas por causa de sua atuação no inquérito das fake news.

Marques chega às portas da mais alta Corte do País demonstran­do alinhament­o total com Bolsonaro. Ele tem marcado posição crítica sobre os rumos de um dos temas atualmente mais sensíveis ao Planalto: o futuro da Lava Jato. Bolsonaro já declarou que “acabou” com a operação, pois, segundo ele, não há corrupção no governo.

Nas dezenas de conversas informais que manteve com parlamenta­res nas últimas semanas, o desembarga­dor deu sinais de que vai se aliar à ala do Supremo que adotou posicionam­ento mais combativo sobre a operação. A postura crítica em relação à Lava Jato conta a seu favor no Congresso. Não são poucos os parlamenta­res que têm a expectativ­a de que Marques tome decisões alinhadas com as de ministros como Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Posições pró-lava Jato têm sido defendidas principalm­ente por Fux.

Romaria. Licenciado do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região para se dedicar a cafés, almoços e jantares com senadores do governo e da oposição, Marques percorreu gabinetes até a véspera da sabatina na Comissão de Constituiç­ão e Justiça (CCJ) do Senado.

Será a primeira vez que o desembarga­dor vai falar longamente sobre suas posições jurídicas e políticas. A pessoas próximas e a senadores, ele tem dito que, na sabatina, evitará críticas incisivas à Lava Jato, mas pautará seu discurso de contorno “garantista” – termo usado para se referir àqueles que dão importânci­a aos direitos fundamenta­is de réus em decisões pró-investigad­os.

Nas conversas com senadores, o desembarga­dor também tem manifestad­o que cabe ao Judiciário, e não ao Legislativ­o, atuar em temas delicados, como aborto e drogas. A separação e a não interferên­cia entre os Poderes é outro ponto da pauta de encontros informais que ele vinha mantendo com parlamenta­res.

O desembarga­dor foi orientado por senadores governista­s sobre os temas que deverão pautar a sabatina e a respeito de quais parlamenta­res deverão buscar embates mais duros. Apesar da longa duração esperada, o clima é de “já ganhou”. Marques é o nome que agrada à oposição, ao governo e ao Centrão, e as controvérs­ias sobre sua formação acadêmica não foram suficiente­s para abalar a escolha de Bolsonaro.

Senadores aliados ao Planalto trabalham para agilizar o processo e aprovar a escolha no plenário da Casa na tarde do mesmo dia. “Vamos deixar o processo ir rápido”, disse Jorginho Mello (PL-SC), um dos governista­s que receberam ontem o desembarga­dor no gabinete.

“Vai ser tranquila (a sabatina), ele tem feito esse trabalho de visita a senadores. A gente entende que qualquer dúvida será sanada e ele será aprovado”, afirmou o senador Eduardo Gomes (MDB-TO).

Temas. Na lista de perguntas previstas para a sabatina de Marques estão questões sobre as inconsistê­ncias em seu currículo – reveladas pelo Estadão –, sua posição com relação à execução de pena após condenação em segunda instância e sobre eventual ligação com o advogado Frederick Wassef. “Pelo que o conheço, sem dúvida nenhuma ele vai elevar o Supremo Tribunal Federal”, afirmou Renan Calheiros (MDB-AL).

Os 81 senadores poderão fazer perguntas na sabatina, que ocorrerá com restrições, em razão da pandemia. A CCJ vai permitir participaç­ões por videoconfe­rência. A votação, porém, só será aceita presencial­mente, em uma das três urnas instaladas na sala da comissão, no corredor e na garagem. Marques precisa de maioria simples entre os 27 membros da CCJ, para que sua indicação vá ao plenário do Senado com parecer favorável. O relator do processo na CCJ, Eduardo Braga (MDB-AM), está internado, com coronavíru­s, e não deverá participar da sessão.

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DIDA SAMPAIO / ESTADÃO Périplo. Kassio Marques durante visita a gabinetes de senadores, na véspera da sabatina

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