Filho assume vaga do ‘senador da cueca’
Chico Rodrigues amplia licença para 121 dias e suplente pode assumir vaga do pai
Ex-vice-líder do governo, Chico Rodrigues (DEM-RR) pediu licença por 121 dias, o que abre espaço para o suplente, Pedro Rodrigues (DEM-RR), seu filho, assumir.
A cúpula do Senado fez uma manobra para salvar o mandato do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado na semana passada pela Polícia Federal com R$ 33 mil escondidos na cueca. Ex-vice-líder do governo de Jair Bolsonaro na Casa, Rodrigues combinou o jogo e pediu ontem licença de 121 dias, o que levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a suspender a sessão marcada para julgar o seu afastamento.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que tenta aval da Corte para se reeleger ao comando da Casa em 2021, bancou a operação para proteger o colega de partido e, ainda, evitou se comprometer com a reabertura do Conselho de Ética. O colegiado, paralisado há sete meses por causa da pandemia do coronavírus, é responsável por decidir se Rodrigues será ou não cassado. “Eu não posso, por uma conveniência ou não de um assunto ou outro, decidir sozinho. Tenho que dividir com todos que estão preocupados com o coronavírus”, disse Alcolumbre.
A licença com prazo de 121 dias também foi necessária para que o primeiro-suplente de Rodrigues seja convocado a assumir o cargo. Com a estratégia, o senador deixou o mandato em casa, já que o “reserva” é seu filho, Pedro Arthur Ferreira Rodrigues, de 41 anos. Pelo regimento do Senado, o suplente só assume quando o afastamento do titular ultrapassa 120 dias.
Administrador de empresas, Pedro vai estrear em cargo eletivo recebendo salário de R$ 33,7 mil. Além disso, poderá herdar o imóvel funcional usado pelo pai em Brasília ou fazer uso de auxílio-moradia (R$ 5,5 mil por mês). Ao deixar Boa Vista (RR), embolsará o auxílio-mudança equivalente a um salário. E, no cargo, terá direito a ressarcimento de despesas médicas e à cota de R$ 40,7 mil por mês, além de escritório de apoio em Roraima e funcionários de gabinete.
Pedro é sócio do pai em empresa de terraplenagem. A San Sebastian Construções, Transportes, Terraplanagem e Agropecuária já foi alvo de cobrança de ICMS atrasado pelo governo do Estado e consta na dívida ativa da União, com débitos tributários de R$ 497 mil. Ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ele informou em 2018 um patrimônio de R$ 70 mil, enquanto o pai declarou R$ 2 milhões. O Estadão não localizou Pedro. A expectativa no gabinete de Rodrigues é de que a substituição não ocorra já. A intenção é ganhar tempo para o assunto esfriar.
Alcolumbre não só ajudou a reduzir a pressão da opinião pública sobre o Senado como segura o funcionamento do Conselho de Ética. Senadores da oposição e do grupo dissidente Muda Senado já manifestaram voto a favor da perda do mandato de Rodrigues. Mesmo os petistas, no entanto, apoiam o plano de Alcolumbre para ser reconduzido ao comando do Senado – uma articulação que depende da bênção do Supremo.
Com a licença de Rodrigues, o ministro do STF Luís Roberto Barroso suspendeu a decisão que havia tomado, afastando o senador por 90 dias. Dessa forma, o plenário da Corte cancelou o julgamento sobre o caso.
Suspeito de desviar recursos federais destinados a ações na pandemia, Rodrigues diz que o dinheiro encontrado pela PF tem origem lícita e serviria para pagar funcionários. Em mensagem a colegas, ele afirmou ontem que não é corrupto. “Em um ato impulsivo, acordado pela polícia, de pijama, assustado com a presença de estranhos em meu quarto, tive a infelicidade de tomar a decisão mais irracional de toda a minha vida”, escreveu.
Blindagem. O presidente do Conselho de Ética, senador Jayme Campos (DEM-MT), admitiu que o desgaste com o caso Rodrigues recai sobre todos no Congresso. “A Casa não vai ficar imersa e tomará as providências respeitando o devido processo legal”, afirmou Campos, sem dar prazos. “Não adianta a gente fazer o papel de avestruz: enfiar a cabeça na terra e deixar o rabo para fora”, disse o senador Major Olimpio (PSL-SP), um dos que empunham a bandeira anticorrupção no grupo Muda Senado, ao cobrar que a Casa discuta o assunto imediatamente.
Não é a primeira vez, no entanto, que o Senado protege os seus. Em 2017, a Casa derrubou o afastamento do ex-senador e atual deputado Aécio Neves (PSDBMG), flagrado no escândalo da JBS. No ano anterior, os parlamentares descumpriram liminar do ministro Marco Aurélio Mello que ordenava o afastamento do então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), réu por peculato.