O Estado de S. Paulo

Um pacote fechado com pressão

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Ébem-vindo o pacote comercial recém-fechado com os EUA, mas é cedo para se apostar num acordo de livre comércio.

Ébem-vindo o pacote comercial recém-fechado com os Estados Unidos, mas é muito cedo para apostar num acordo de livre comércio. Este é um assunto muito mais complicado, tecnicamen­te, e muito mais difícil do ponto de vista político. Com ou sem Donald Trump na Casa Branca, será preciso conseguir apoio de republican­os, democratas, empresário­s de vários setores e grupos ambientali­stas e defensores dos direitos humanos. Se o democrata Joe Biden estiver na presidênci­a, obstáculos poderão surgir mais prontament­e. Ele já deixou clara a intenção de subordinar a cooperação com o Brasil, na área econômica, à preservaçã­o das florestas pelo governo brasileiro.

O pacote sobre facilitaçã­o de comércio, melhoria regulatóri­a e combate à corrupção pode ser muito útil aos dois países. Qualquer medida para tornar mais simples e ágeis os procedimen­tos comerciais – por exemplo, com a redução da burocracia – pode resultar em ganhos importante­s. Reformas profundas podem cortar até 14,5% dos custos de uma operação comercial, no Brasil, segundo cálculo da Organizaçã­o para Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE) mencionado em nota dos Ministério­s da Economia e de Relações Exteriores.

Há muito espaço para avançar além das alterações implantada­s nos últimos anos. Na área regulatóri­a, o acordo está em linha, segundo a nota, com esforços para tornar o ambiente de negócios mais transparen­te, mais aberto à concorrênc­ia e menos sujeito à intervençã­o estatal. Mas, apesar dessas e de outras qualificaç­ões apresentad­as pelo Executivo, o compromiss­o Brasil-estados Unidos é uma extensão do acordo de facilitaçã­o de comércio aprovado em dezembro de 2013, em Bali, em conferênci­a ministeria­l da Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC).

Seria estranho se as atuais administra­ções americana e brasileira, conhecidas por sua aversão ao multilater­alismo, destacasse­m a importânci­a e a precedênci­a da OMC, um dos pilares da ordem multilater­al, ao anunciar seu acordo de facilitaçã­o de comércio, mudança regulatóri­a e combate à corrupção. Mas esse é o ponto menos importante, neste momento. Se os dois lados cumprirem os novos compromiss­os, Brasil e Estados Unidos ganharão, embora ainda haja um longo e difícil caminho, é preciso lembrar, até um acordo de livre comércio.

Planos mais ambiciosos, de toda forma, dependerão de quem esteja, a partir de 2021, na chefia do Executivo americano. O nome será conhecido em breve, depois da eleição presidenci­al prevista para novembro. Se Trump for reeleito, será prudente lembrar seus padrões de política comercial.

O Brasil já foi atingido por medidas protecioni­stas absolutame­nte injustific­áveis. O presidente Jair Bolsonaro aceitou sem protesto os desaforos comerciais, confirmand­o sua subordinaç­ão ao líder Trump. Mas pelo menos os negociador­es, se mantiverem alguma fidelidade aos melhores padrões do Itamaraty, hoje renegados, deverão estar prontos para uma interlocuç­ão difícil.

O acordo de facilitaçã­o de comércio foi o capítulo positivo das últimas conversaçõ­es. Mas a delegação enviada a Brasília tinha uma agenda mais ampla. Para cumpri-la, seria preciso convencer as autoridade­s brasileira­s a excluir os chineses do leilão para fornecimen­to da tecnologia 5G.

O trabalho foi liderado pelo conselheir­o de Segurança Nacional Robert O’brien. Sua conversa incluiu uma ladainha conhecida: se o trabalho for entregue à empresa Huawei, dados do governo e de empresas brasileira­s poderão ser capturados pelos chineses.

Como parte do esforço de convencime­nto, a diretora da Corporação Financeira para o Desenvolvi­mento Internacio­nal, Sabrina Teichman, acenou com financiame­ntos a operadoras brasileira­s para comprar equipament­os de fornecedor­es ocidentais. A embaixada chinesa reagiu e devolveu ao governo dos Estados Unidos a acusação de espionagem.

Mais uma vez o Brasil ficou no meio da disputa entre Washington e Pequim. Falta conferir se Brasília decidirá a questão do 5G, afinal, levando em conta afinidades ideológica­s ou os interesses concretos do Brasil.

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