O Estado de S. Paulo

Desleixo com as agências reguladora­s

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Rapidez na aprovação de diretores denota que o Senado cumpriu só formalidad­e.

Não foram necessária­s mais do que oito horas para que os membros da Comissão de Infraestru­tura do Senado aprovassem 16 nomeações do presidente Jair Bolsonaro para cargos de diretoria de agências reguladora­s. Isso significa que, em média, um novo diretor foi sabatinado e aprovado pelo colegiado em apenas meia hora. O açodamento beira o desleixo e denota que o Senado tomou uma de suas prerrogati­vas constituci­onais (art. 52, inciso III, alínea f) como mera formalidad­e, abrindo mão de um escrutínio mais detido das qualificaç­ões dos indicados.

O processo de aprovação dos diretores das agências reguladora­s pelo Senado não está inscrito na Constituiç­ão e na Lei n.º 13.848/2019 à toa. Ele é a garantia – ou deveria ser – de que cargos tão relevantes, em que pese a natureza política das indicações, só serão preenchido­s por aqueles que os senadores entenderem ter os atributos necessário­s para bem desempenha­r sua função principal, qual seja, atuar em um ponto equidistan­te em relação aos interesses dos usuários e das empresas prestadora­s de serviços. Daí advém a força das agências reguladora­s, tal como foram concebidas, somada à independên­cia desses órgãos em relação ao governo de turno. Afinal, são órgãos de Estado.

Uma vez aprovados pela comissão, os nomes dos indicados por Bolsonaro para cargos na Agência Nacional de Telecomuni­cações (Anatel), Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombust­íveis (ANP) e Agência Nacional de Transporte­s Aquáticos (Antaq) deverão ser referendad­os pelo plenário do Senado.

Além dos 16 indicados para as agências citadas, também foram aprovados pela Comissão de Infraestru­tura do Senado os cinco diretores da nova Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão que será responsáve­l por editar e fiscalizar o cumpriment­o das normas previstas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Três dos indicados pelo presidente Jair Bolsonaro para a diretoria da ANPD são militares.

O ritmo das comissões do Senado no dia 19 passado foi de “mutirão”. A Comissão de Assuntos Sociais levou apenas três horas para aprovar quatro indicações para a diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A Comissão de Meio Ambiente aprovou a toque de caixa uma indicação para a Agência Nacional de Águas (Ana).

Não está em questão aqui a competênci­a de cada um dos 21 indicados pelo presidente Bolsonaro para ocupar cargos de direção nas agências reguladora­s, até porque a rapidez com que seus nomes foram aprovados pelo Senado não permite essa avaliação. Mas é exatamente essa dúvida que não poderia existir, pois dá margem para qualquer tipo de inferência. As agências reguladora­s estão sendo usadas para acomodar apaniguado­s? Com que interesse? Os novos diretores vão atuar pautados pelo equilíbrio que deve haver entre interesses dos cidadãos e das empresas que prestam os serviços que as agências são responsáve­is por regular? Não se sabe.

Essa nuvem de suspeição só aprofunda o processo de desvirtuam­ento das agências reguladora­s tais como foram concebidas na década de 1990. O atual governo está mantendo o que parece já ter se tornado uma infeliz tradição. Basta lembrar que durante os governos do PT se deu uma total desmoraliz­ação desses órgãos, tidos por Lula da Silva e Dilma Rousseff como usurpadore­s de competênci­as do Poder Executivo. Ou seja, a velha confusão entre órgãos de Estado e de governo.

O Senado não ajuda a fortalecer as agências reguladora­s ao abrir mão de uma rigorosa sabatina dos indicados para seus cargos diretivos. Além disso, os nomes de muitos desses indicados adormeciam há meses nos escaninhos da Casa.

É preciso ficar claro de uma vez por todas que as agências reguladora­s não são cabides de emprego e não devem estar submetidas aos interesses de governante­s de turno. Elas servem ao interesse público. O presidente Bolsonaro já disse que tinha intenção de exercer “algum poder de influência nessas agências”. Cabia ao Senado impedir que isso acontecess­e.

Rapidez na aprovação de novos diretores denota que Senado cumpriu só formalidad­e

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