O Estado de S. Paulo

● Trump busca trunfo eleitoral

Para analistas, além de medidas comerciais, americano busca barrar avanço da China

- Douglas Gavras

Analistas afirmam que, além dos interesses comerciais, governo Trump tenta gerar fatos nas relações exteriores.

A vinda ao Brasil da delegação dos Estados Unidos para anunciar um pacote com medidas que facilitam o comércio rapidament­e se transformo­u em uma oportunida­de de pressionar o País contra a presença da empresa chinesa Huawei no leilão do 5G. Na avaliação de analistas ouvidos pelo ‘Estadão’, além de interesses comerciais, o governo de Donald Trump tenta gerar boas notícias nas relações exteriores, às vésperas das eleições americanas.

Em um movimento contra a participaç­ão dos chineses no leilão de 5G, os americanos disseram estar dispostos a financiar “qualquer investimen­to” no setor de telecomuni­cações. Uma delegação de autoridade­s americanas em visita ao Brasil atacou a China e deixou claro que espera que o País escolha empresas de outras nacionalid­ades.

“Faz parte do ideário de Trump, de colocar oposição à China como principal item de sua política externa, embora as simplifica­ções de comércio, como as que foram assinadas, não levem necessaria­mente a um acordo de comércio, já que o governo americano não pode negociar algo assim sem autorizaçã­o do Congresso”, diz o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa.

Ele avalia que a delegação americana aproveitou a viagem para oferecer empréstimo­s e facilidade­s ao Brasil, “colocando uma ‘cenourinha’ para que o Brasil exclua a China do leilão”. Para o consultor, o mais prudente seria que o Brasil esperasse o resultado das eleições nos EUA antes de decidir sobre o 5G.

Para o também ex-embaixador Rubens Ricupero, que já foi ministro da Fazenda, é de interesse de Bolsonaro o anúncio de medidas de desburocra­tização do comércio com os americanos, para tentar tirar a impressão de que o Brasil só perdeu até agora nas negociaçõe­s com a Casa Branca. “O Brasil só dá boas notícias para Trump, como na cota de isenção de tarifa para o etanol americano. Agora, houve pouco avanço, a medida de facilitaçã­o do comércio acordada não é nova, um acordo da Organizaçã­o Mundial de Comércio (OMC) já previa isso.”

Ricupero avalia que a presença do conselheir­o de Segurança dos Estados Unidos, Robert O’brien, na delegação, o que é incomum, reforça que o objetivo da visita é pressionar o Brasil para não escolher a Huawei para implantar a tecnologia 5G.

O’brien afirmou em uma reunião no Brasil que, caso o País opte pela chinesa, dados do governo e de empresas podem ser “decifrados” pelos asiáticos.

Vinícius Rodrigues Vieira, professor da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), avalia que Trump vai buscar gerar fatos que repercutam entre os eleitores americanos, principalm­ente pelo sentimento contra a China, que cresceu durante a pandemia. “O governo quer demonstrar que está pressionan­do o Brasil, maior mercado da América Latina, na cruzada contra os chineses.”

Indefiniçã­o. Atrás nas pesquisas eleitorais na disputa contra o democrata Joe Biden (embora a distância entre eles tenha caído), Trump pode perder a Casa Branca em 3 de novembro.

Oliver Stuenkel, coordenado­r do MBA em Relações Internacio­nais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), concorda que negociar com Trump tem pouco ou nenhum peso, às vésperas das eleições. “É melhor esperar e negociar com quem quer que seja o presidente americano nos próximos quatro anos.” Para Stuenkel, porém, a vitória democrata não traria grandes mudanças na postura americana de conter o avanço chinês.

Já Juarez Quadros, ex-presidente da Agência Nacional de Telecomuni­cações (Anatel), lembra que o Brasil tem a quinta maior rede de telefonia móvel mundial e é natural que seja uma peça de disputa pelo 5G, mas a concorrênc­ia está mais politizada que o normal. “Não é comum que concorrênc­ias desse tipo envolvam os líderes das maiores economias.” Ele avalia, porém, que embora seja prudente esperar as eleições, a demora na definição do futuro do 5G no País deixa os brasileiro­s para trás em relação aos europeus e vizinhos, como o Uruguai.

“O Brasil só tem dado boas notícias para Trump. Até agora, houve pouco avanço.” Rubens Ricupero EX-MINISTRO DA FAZENDA

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GABRIELA BILO/ESTADÃO Voto. Analistas defendem que Brasil espere disputa nos EUA antes de definir futuro do 5G

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