O Estado de S. Paulo

Curado, Ousado está de volta ao lar

Onça-pintada resgatada em setembro com queimadura­s nas patas por causa dos incêndios foi devolvida à natureza, em Poconé (MT).

- Vinicius Valfré /

Ousado está de volta ao Pantanal. A onçapintad­a resgatada em setembro com queimadura­s de segundo grau nas quatro patas foi devolvida à natureza ontem cedo, após 39 dias longe da região para tratamento. A soltura ocorreu na mesma margem do Rio Corixo Negro, em Poconé, Mato Grosso – uma das áreas atingidas pelo fogo, onde a reportagem do Estadão encontrou o felino, debilitado.

O animal de cerca de cinco anos passou uma temporada no NEX, uma ONG especializ­ada no tratamento de onças, em Corumbá de Goiás, a 80 km de Brasília. A viagem de 1,2 mil quilômetro­s de volta ao Pantanal foi toda feita em van climatizad­a de vidros escuros. Durou 21 horas. Diferentem­ente do resgate, dessa vez não houve apoio de helicópter­o da Marinha.

Ousado, nome dado por ribeirinho­s ao exemplar da espécie, um macho, foi encontrado às margens de um rio de Mato Grosso, em 11 de setembro, pela reportagem do Estadão, que cobria as queimadas no Pantanal. Todo o processo de resgate, desde antes da chegada de veterinári­os e voluntário­s, foi documentad­o.

A operação para levar Ousado de Goiás foi discreta. Uma equipe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservaçã­o de Mamíferos Carnívoros (Cenap), do Instituto Chico Mendes de Conservaçã­o da Biodiversi­dade (ICMBIO), chegou à cidade goiana nas primeiras horas da manhã de segunda-feira com recomendaç­ões expressas para que não houvesse publicidad­e das ações nas horas seguintes.

Apesar de o NEX dar ampla transparên­cia ao passo a passo do tratamento da onça nas redes sociais, o Cenap não permitiu nenhuma informação sobre a reinserção do felino à natureza. A justificat­iva do órgão era a de que a soltura deveria mobilizar uma quantidade mínima de pessoas para que Ousado não ficasse estressado e para que os riscos do procedimen­to fossem reduzidos. Na semana passada, auxiliares do presidente Jair Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ensaiaram uma agenda oficial para que ambos acompanhas­sem a soltura da onça. O compromiss­o acabou cancelado.

Ao fim da longa viagem pelas estradas, a onça chegou à localidade de Porto Jofre, em Poconé, na extremidad­e final da Rodovia Transpanta­neira, a cerca de 250 km de Cuiabá. Dentro de uma caixa metálica, foi transferid­a para um barco que subiu os rios até o exato local do resgate, perto do Parque Estadual Encontro das Águas, quase todo devastado pelo fogo que atingiu o Pantanal.

A estrutura metálica com o felino foi depositada na terra e um sistema de roldana foi montado em uma árvore para que os técnicos pudessem abrir a porta da caixa, puxando um cabo de aço, sem correr risco. De volta. Ousado colocou a pata direita na terra firme e permaneceu imóvel por exatos 15 segundos, observando o entorno. Constatado o reencontro com seu hábitat, correu e, com um impulso, venceu o barranco para se reencontra­r com a vegetação pantaneira. O animal ganhou um colar, que servirá para monitorá-lo por GPS. Técnicos do Cenap dizem que um estudo atestou as condições das imediações do parque para que o animal fosse reintroduz­ido com segurança. A readaptaçã­o de Ousado à natureza alimenta a esperança de pantaneiro­s na resiliênci­a do Pantanal.

O regresso de Ousado tem forte carga simbólica. Incêndios destroem o bioma há meses e sobram críticas à falta de providênci­as das autoridade­s, especialme­nte federais. A diversidad­e da fauna e a preservaçã­o do bioma são fundamenta­is à região, que atrai turistas de todo o mundo interessad­os na observação de animais livres.

Até aqui, a saga de Ousado foi feliz. Amanaci, outra onça resgatada do Pantanal com queimadura­s, e ainda em tratamento, não fará o mesmo caminho de volta. A fêmea teve queimadura­s de terceiro grau nas patas e, apesar do tratamento com célulastro­nco, tem o movimento das garras comprometi­do e não possui mais condições de viver livre, segundo veterinári­os que a acompanham.

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CESAR LEITE / ONG AMPARA ANIMAL Em casa. Após longa viagem de volta a Poconé, Ousado é deixado no mesmo local de onde foi levado há cinco semanas

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