Trump exige abertura de investigação contra filho de Biden antes da eleição
Pressão sobre autoridades para que elas investiguem rivais é incomum nos Estados Unidos; presidente tenta reeditar tática usada contra Hillary Clinton, em 2016, quando conseguiu tachá-la de corrupta por causa do uso de servidores privados para enviar e-mails de Estado
Donald Trump aumentou ontem a pressão para que o secretário de Justiça dos EUA, William Barr, abra uma investigação contra Hunter Biden, filho de seu rival democrata, Joe Biden, antes das eleições do dia 3. Em entrevista à Fox News, o presidente citou a reportagem do New York Post sobre supostas irregularidades na relação de Hunter com a companhia de gás ucraniana Burisma.
A pressão para investigar adversários políticos é comum em democracias latino-americanas, mas extremamente rara nos EUA. “Temos de fazer com que o secretário de Justiça aja. Ele tem de agir e tem de agir rápido”, disse Trump. “Isto é corrupção e deve ser resolvido antes da eleição.”
Atrás nas pesquisas, o presidente vem tendo dificuldades para encontrar uma linha de ataque contra Biden. Trump já tentou questionar a idade do rival, que tem 77 anos, e chamou o democrata de “socialista radical”, embora ele seja um moderado. O caso de Hunter Biden é visto por analistas como mais uma tentativa de mudar o rumo da disputa.
A duas semanas da eleição, Biden mantém uma vantagem sólida de 10 pontos porcentuais sobre Trump, segundo o portal Five Thirty Eight, que faz projeções com base em centenas de pesquisas. O caso Hunter, segundo analistas, seria uma tentativa de repetir a estratégia vencedora em 2016, quando o presidente colou na democrata Hillary Clinton a pecha de “corrupta” em razão do uso irregular de servidor privado para enviar e-mails com assuntos de Estado.
Quatro anos atrás, era comum que os comícios de Trump terminassem com o bordão “Prendam-na!”, gritado pela plateia, em referência a Hillary. Nos últimos dias, discursos do presidente na Geórgia, Flórida e Nevada terminaram com gritos de “Prendamno!”, um ataque direito ao expresidente americano. “Joe Biden deveria estar na cadeia”, disse Trump.
A frustração de Trump é tão grande que, duas semanas atrás, ele tuitou uma foto de Barr com a mensagem: “Pelo amor de Deus, prenda alguém!”. Na segunda-feira, durante comício no Arizona, o presidente disse que Biden estaria na prisão se Barr não fosse “um sujeito bom”.
O caso envolvendo o filho de Biden, no entanto, parece frágil e requentado – ele está ligado ao impeachment do presidente. No ano passado, Trump foi flagrado fazendo pressão sobre o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski. Em troca de ajuda militar americana ao governo ucraniano, Zelenski abriria uma investigação contra Hunter, que trabalhou como consultor da Burisma, uma empresa de energia da Ucrânia.
Os republicanos acusaram Biden, que ocupava o cargo de vice-presidente quando Hunter trabalhava para a Burisma, de tráfico de influência. Os democratas responderam, aprovando o impeachment do presidente na Câmara dos Deputados por abuso de poder e obstrução do Congresso. Trump acabou absolvido pelo Senado, em janeiro, e o caso caiu no esquecimento – até agora.
Na semana passada, o tabloide conservador New York Post publicou uma reportagem com base em um e-mail de Hunter, que teria mediado um encontro do pai com o empresário Vadim Pojarskii, membro do conselho de administração da Burisma. A mensagem teria sido recuperada do disco rígido de um laptop que o filho de Biden deixou em uma assistência técnica. O material chegou ao jornal pelas mãos de Rudy Giuliani, advogado de Trump.
A campanha de Biden aponta para os arquivos públicos oficiais do vice-presidente para provar que o encontro com o ucraniano nunca ocorreu. Na segunda-feira, 50 ex-agentes de inteligência dos EUA assinaram uma carta afirmando que o caso “contém traços característicos de uma operação de desinformação da Rússia”.
Na semana passada, a imprensa americana noticiou que a Casa Branca já teria sido informada que Giuliani estaria se comunicando com agentes russos e seria a fonte de notícias falsas espalhadas por Moscou.
No fim de semana, o New York Times publicou os bastidores da reportagem do New York Post, tabloide que pertence a Rupert Murdoch, mesmo dono da Fox News, emissora preferida dos republicanos. O repórter Bruce Golding, que escreveu o texto, não assinou a matéria porque estava preocupado com a credibilidade da história, segundo colegas do jornal.
O historiador Julian Zelizer, da Universidade Princeton, afirma que a pressão de Trump sobre Barr é incomum nos EUA. “A questão é se Barr vai ou não ignorar as diretrizes adotadas na era pós-watergate e seguir em frente com isso”, disse. “Estamos diante de uma politização total do Judiciário na reta final de uma eleição.”
“Temos de fazer com que o secretário de Justiça aja. Isto deve ser resolvido antes da eleição”
Donald Trump
PRESIDENTE DOS EUA