O Estado de S. Paulo

Vitória de Arce pode significar a reação da ‘Onda Rosa’ na região

É COLUNISTA E ESCREVE SOBRE POLÍTICA EXTERNA PARA O

- ✽ Ishaan Tharoor / ✽

Onze meses atrás, a Casa Branca celebrou uma dramática mudança de poder na Bolívia, saudando a queda de outro governo de esquerda nas Américas, ligando Evo Morales aos regimes na Venezuela e na Nicarágua. “A saída de Evo preserva a democracia e abre caminho para que o povo boliviano tenha sua voz ouvida”, disse o presidente Donald Trump em novembro. “Estamos agora um passo mais perto de um Hemisfério Ocidental completame­nte democrátic­o, próspero e livre.”

Quase um ano depois, a situação mudou. No domingo, os bolivianos deram uma vitória esmagadora para Luis Arce, aliado de Evo e ex-ministro da Economia. O ex-presidente pode voltar do exílio, embora ainda sob risco de enfrentar acusações na Justiça. No poder, ele foi um dos últimos sobreviven­tes da chamada Onda Rosa – que começou em meados dos anos 2000, quando líderes populistas de esquerda ganharam destaque na América Latina.

Como eles, Evo fez campanha pelos oprimidos e pelos pobres, nacionaliz­ou os recursos do Estado, reduziu a pobreza e trabalhou em favor das comunidade­s indígenas. Nos últimos anos de seu reinado, porém, ele se tornou uma figura polarizado­ra. Os opositores o viam como um tirano e enquadrara­m sua queda como uma restauraçã­o da democracia, se juntando às fileiras da reação anti-onda Rosa, que já havia visto a ascensão do presidente Jair Bolsonaro no Brasil.

A democracia da Bolívia, porém, devolveu o poder ao grupo de Evo. O governo interino, de Jeanine Áñez, enfrentou a ira popular pela má gestão da pandemia e pela repressão brutal aos partidário­s do ex-presidente. Ela também adiou repetidame­nte a data das eleições, aumentando a percepção de que se tratava de um regime de usurpadore­s com medo de perder o mandato.

Alguns especialis­tas sugerem que o tumulto poderia ter sido evitado. “Se Evo tivesse renunciado, como era constituci­onalmente obrigado a fazer no final de seu terceiro mandato, esta seria a eleição que a Bolívia teria tido um ano atrás”, disse Jim Shultz, fundador do Centro de Democracia, com foco na Bolívia. “O que aconteceu na Bolívia pode ser visto como uma versão do fracasso da reação da direita à Onda Rosa. Existem razões pelas quais os populistas são populares, ainda mais em uma época de calamidade pública e desigualda­de econômica.”

Arce manteve distância de Evo ao longo da campanha e prometeu conciliaçã­o com as facções rivais. “Recuperamo­s a democracia”, disse. “Prometemos cumprir nossa promessa de trabalhar e levar nosso programa a um bom porto. Vamos governar para todos os bolivianos e construir um governo de unidade nacional.”

WASHINGTON POST

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