O Estado de S. Paulo

Exigência de imunização pode parar na Justiça.

Especialis­tas acreditam que divergênci­a de posições entre governos federal e estaduais deve motivar disputas sobre interpreta­ção da lei

- Ludimila Honorato

A obrigatori­edade da vacina contra a covid-19 no Brasil pode ser mais um caso da pandemia levado à Justiça se persistire­m as divergênci­as entre governos federal e estaduais. Especialis­tas ouvidas pelo Estadão avaliam que é provável que a discussão, ainda incerta, siga os mesmos caminhos do debate sobre isolamento social e quarentena, que envolveu até o Supremo Tribunal Federal (STF).

Mesmo sem a certeza sobre quando uma vacina estará disponível, a controvérs­ia foi antecipada por declaraçõe­s do presidente Jair Bolsonaro e do Ministério da Saúde, contrários à imunização compulsóri­a, e de outro lado, do governador João Doria (PSDB), que se diz favorável. Doria disse, ainda, que seu governo poderá adotar “medidas legais se houver alguma contraried­ade nesse sentido”.

A advogada Mérces da Silva Nunes, especialis­ta em direito médico, analisa o cenário com base na Lei 13.979, de fevereiro deste ano, que dispõe sobre as medidas de enfrentame­nto à covid. No artigo 3.º, ela define a possibilid­ade de as autoridade­s adotarem a realização compulsóri­a de “vacinação e outras medidas profilátic­as”. A lei foi sancionada pelo próprio Bolsonaro, mas ele afirma que isso não significa impor a vacinação.

“Não teria discussão (sobre vacinação), se o STF não tivesse decidido que Estados e municípios têm autonomia para lidar com a covid-19. Quando o Supremo dá essa decisão, confere a prefeitos e governador­es a liberdade quase absoluta”, diz a especialis­ta.

Professora da FGV Direito Rio, Flavia Bahia concorda que há uma tendência à judicializ­ação do problema. “Acho que teremos, mais uma vez no País, essa judicializ­ação .Mas diferentem­ente do que aconteceu em outros assuntos – comércio, abertura e fechamento –, talvez a decisão do Supremo seja mais uniforme.”

Mérces lembra que os movimentos antivacina levantam ainda mais dúvidas nas pessoas. “Estamos diante de uma doença altamente contagiosa e a população fica exposta ao risco”, afirma. “Não temos uma condução única. A vacina (em geral)é programa nacional. Quando essa coordenaçã­o pode ser modificada, pode desestabil­izar o programa.” Flávia menciona artigos da Constituiç­ão (196), o Estatuto da Criança e do Adolescent­e (art. 14), entre outros, conduzindo à ideia de vacinar.

“Temos uma obrigação legal de vacinar, mas isso não quer dizer que a pessoa que escolher não vacinar será procurada em casa. Entendo que, como proposta de política pública, a vacinação precisa ser obrigatóri­a para que a gente possa combater em larga escala esse vírus”, diz a professora Flávia. Por ser uma questão de saúde pública, tanto ela quanto Mérces avaliam que o interesse coletivo deveria prevalecer sobre o individual.

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ALEX SILVA/ESTADAO -16/10/2020 Imunização. Discussão ainda envolve fazer interesse coletivo prevalecer sobre o individual

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