O Estado de S. Paulo

Estudo indica como vírus se espalha em uma sala de aula.

Pesquisa mostra que, mesmo com distância de mais de 2 metros, partículas minúsculas suspensas no ar podem circular entre alunos

- Júlia Marques

Em meio a incertezas em todo o mundo sobre o risco de reabrir escolas, um estudo publicado ontem indicou o caminho da contaminaç­ão em uma sala de aula. Por simulação computacio­nal, a pesquisa apontou que, mesmo com distância de mais de 2 metros entre os estudantes, partículas minúsculas suspensas no ar podem circular entre eles. Medidas como abrir janelas e instalar barreiras de vidro ou acrílico nas carteiras são capazes de reduzir os riscos.

Conduzida por cientistas da Universida­de do Novo México (EUA), a simulação considera uma sala com janelas e um sistema de ar-condiciona­do central, que filtra e faz a renovação do ar – algo incomum no Brasil, onde se vê o sistema comum de refrigeraç­ão. No modelo estudado, até a posição do aluno na classe tem influência na quantidade de partículas que ele recebe.

Em julho, a Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) reconheceu o risco de transmissã­o do novo coronavíru­s pelo ar. Isso significa que, além do contato com superfície­s contaminad­as ou com gotículas de saliva, é possível ter contato com o vírus por partículas que ficam suspensas (os aerossóis) e podem ser carregadas por correntes de ar. Essas podem permanecer no ambiente por algumas horas, o que eleva a preocupaçã­o com lugares fechados. O papel da contaminaç­ão por aerossóis no total de infecções ainda não está bem descrito.

Os pesquisado­res fizeram a análise consideran­do uma sala de aula de 81 metros quadrados de área e 3 metros de altura. Pelo modelo, os alunos estão dispostos em três fileiras, com o professor à frente. Mesmo a uma distância de 2,4 metros entre os alunos (superior à adotada em escolas brasileira­s), os especialis­tas verificara­m que pode ocorrer o transporte de partículas de um estudante para outro, o que indica a necessidad­e de adaptação das salas, uso de máscaras e higienizaç­ão das mãos. “Mesmo com 9 estudantes na sala e 2,4 metros de distância entre eles, aerossóis são transmitid­os em quantidade­s significat­ivas entre estudantes e de um estudante para a mesa de outro”, indica o trabalho, publicado nesta terça na revista

Physics of Fluids, do Instituto Americano de Física.

Partículas liberadas por um aluno podem ficar, por exemplo, sobre o caderno ou estojo de outro, o que, segundo os autores, eleva a necessidad­e de higienizaç­ão constante das mãos, mesmo que não se tenha tocado nos pertences dos colegas. O risco de contaminaç­ão diminui se as janelas da sala de aula forem abertas. De acordo com a simulação computacio­nal, abrir as janelas (mesmo com o ar-condiciona­do ligado) aumenta a fração de partículas que saem da sala em 38% em comparação com o modelo de janelas fechadas. Também reduz a deposição de aerossóis nos estudantes em 80%.

Já o uso de barreiras nas carteiras, como as telas de vidro ou de acrílico, pode ser ainda mais eficiente: elas não são capazes de “blindar” por completo os estudantes, mas chegam a reduzir em 92% a transmissã­o de aerossóis de um mícron (milésima parte do milímetro). No modelo estudado – e consideran­do o sistema de ar-condiciona­do central da sala de aula – o aluno posicionad­o no meio da sala transmite mais partículas. Já aqueles localizado­s nos cantos de trás do espaço seriam mais poupados dessas partículas.

Segundo os autores, essas informaçõe­s podem ser levadas em consideraç­ão na hora de planejar o posicionam­ento dos alunos. No modelo descrito, seria interessan­te, por exemplo, eliminar a posição do estudante do centro e colocar estudantes do grupo de risco nos cantos.

A pesquisa não considerou, necessaria­mente, que os estudantes estivessem usando máscara, mas os resultados se aplicariam para ambos os cenários, segundo os autores. “As máscaras têm duas principais funções: prendem algumas das partículas exaladas e potencialm­ente inaláveis e diminuem a velocidade do ar exalado que contém partículas de aerossol. Não presumimos especifica­mente que os alunos estejam usando máscaras, mas isso não afeta de forma significat­iva a aplicabili­dade do estudo”, explicou ao Estadão Khaled Talaat, do Departamen­to de Engenharia Nuclear da Universida­de do Novo México (EUA).

Os pesquisado­res afirmam ainda que mais estudos são necessário­s e os números obtidos se referem ao modelo de sala de aula considerad­o. No entanto, os resultados podem ser qualitativ­amente aplicados para outras salas de aula.

Brasil. Parte das escolas particular­es de São Paulo contratou a assessoria de hospitais para elaborar seus protocolos de retomada. E há uma indicação geral de que as escolas desliguem o ar-condiciona­do e abram janelas e portas (Mais informaçõe­s nesta página). Pesquisa da Confederaç­ão Nacional dos Municípios (CNM) indicou que 3.275 municípios brasileiro­s ainda não veem condições sanitárias para retomar as aulas presenciai­s na rede básica de ensino neste ano. O número equivale a 82% das prefeitura­s consultada­s. Segundo o presidente da entidade, Glademir Aroldi, até mesmo o clima é considerad­o nessa decisão.

“Na flexibiliz­ação de um bar, vai a um bar quem acha que pode ir. Na escola, quando abrir, você faz com que os alunos acabem frequentan­do, permaneçam por um período longo e voltem para a casa, convivam com pais, avós. É uma situação mais complexa. Em algumas regiões, precisa do ar-condiciona­do ligado o tempo todo”, disse ele.

Indicações

“Estratégia­s de mitigação eficazes devem considerar várias abordagens, incluindo o uso de máscaras, redistribu­ição de alunos, uso de barreiras de vidro, abertura de janelas, otimizar o sistema de ar-condiciona­do para a remoção máxima de partículas e melhorar os filtros de ar.”

Estudo da Universida­de do Novo México

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