O Estado de S. Paulo

EUA prometem financiar investimen­to em teles para Brasil barrar 5G chinesa

Missão americana no País faz ofensiva e pede que a escolha para o novo sistema recaia sobre grupos de outros países, e não sobre a Huawei; por trás da disputa, está a liderança no 5G e de todo o desenvolvi­mento econômico que essa posição pode gerar

- Lorenna Rodrigues Anne Warth /

Numa ofensiva para impedir a presença da empresa chinesa Huawei no 5G no Brasil, os Estados Unidos propuseram financiar “qualquer investimen­to” no setor de telecomuni­cações do País. A proposta agressiva foi apresentad­a ontem por uma delegação de autoridade­s americanas em Brasília. O governo ainda ouviu pedido para escolher grupos de outras nacionalid­ades na construção da infraestru­tura 5G, a tecnologia mais avançada em comunicaçã­o.

A campanha direta dos americanos contra os chineses, vista por diplomatas brasileiro­s como uma reedição da guerra fria, que tinha a antiga União Soviética na outra ponta da disputa pela hegemonia econômica global, expôs uma proposta de aliança de desenvolvi­mento econômico há muito não demonstrad­a por Washington.

Por trás da disputa entre EUA e China está a liderança da tecnologia 5G. Os EUA foram os primeiros a viabilizar­am o 4G, o que é apontado como essencial para a criação e o desenvolvi­mento de um ecossistem­a de aplicativo­s, como Facebook, Netflix e Alphabet, dona do Google. Ao lado de Apple, Microsoft e Amazon, elas estão entre as companhias mais valiosas do mundo.

A Huawei é hoje a principal fornecedor­a de equipament­os centrais para o 5G, à frente da sueca Ericsson e da finlandesa Nokia. Os EUA não têm mais um grande fabricante e contam principalm­ente com os serviços das duas empresas nórdicas. As americanas Cisco e a Qualcomm permanecem no setor, mas não fazem equipament­os centrais.

“Há um equívoco de que não existe alternativ­a, não é o caso”, disse o diretor sênior interino para o Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional (NSC, na sigla em inglês), Joshua Hodges, num encontro, em Brasília com jornalista­s convidados. “Há competição lá fora, está disponível e os EUA estão prontos para financiar isso”, ressaltou. “A China não apoia (o acesso à informação), veja o que eles fizeram com Hong Kong (a China impôs em junho uma nova lei de segurança em Hong Kong, com controle da mídia e diminuição de liberdades prometidas à ex-colônia britânica quando foi devolvida em 1997 ). Os EUA estão preocupado­s em como os chineses vão usar os dados e a tecnologia para assuntos de Estado, não para os usuários dessa tecnologia”, afirmou.

Tecnologia. A tecnologia 5G é a quinta geração das redes de comunicaçã­o móveis. Ela promete velocidade­s até 20 vezes superiores ao 4G, a rede em operação hoje.

Hodges disse que os Estados Unidos querem mostrar que podem ser um parceiro de benefício mútuo para o Brasil e que quer fortalecer o País, e não “minar a soberania brasileira”, em referência aos chineses: “Diferentem­ente da China, não estamos aqui com ameaças, estamos oferecendo alternativ­as. Não estamos dizendo ‘não façam negócios com a China’, queremos encontrar outros parceiros para o Brasil e fortalecer nossa aliança com os brasileiro­s.”

Na mesma entrevista a jornalista­s brasileiro­s, a presidente do Banco de Exportação e Importação (Eximbank), Kimberly Reed, e a diretora da Corporação Financeira dos Estados Unidos para o Desenvolvi­mento Internacio­nal (DFC, na sigla inglês), Sabrinatei­chman, que comandam, respectiva­mente, orçamentos de US$ 135 bilhões e US$ 60 bilhões, reforçaram que os recursos podem ser destinados para o financiame­nto de expansão de redes e compra de equipament­os 5G por empresas de telecomuni­cação brasileira­s. “Temos dinheiro suficiente para financiar qualquer investimen­to no setor”, disse.

A relevância das empresas chinesas no mundo da tecnologia já começa a ir além da Huawei. Os aplicativo­s chineses se tonaram febre entre os jovens nos últimos anos, como o Wechat, aplicativo de mensagens semelhante ao Whatsapp, e o Tiktok, que já tem 1 bilhão de usuários. Em reação, o Instagram criou o Reels. Ambas as empresas chinesas sofrem pressão direta do presidente Donald Trump para que sejam vendidas para um novo dono, ou banidas do território americano.

Para além do 5G, barrar a Huawei do Brasil possivelme­nte aumentaria o custo dos serviços de telecomuni­cações. Ela já atua há 20 anos no País e é uma das principais fornecedor­as das operadoras de telecomuni­cações. Segundo dados da Anatel, a Huawei hoje está presente em 35% da infraestru­tura das redes de telefonia móvel de 2G, 3G e 4G do País, ficando atrás apenas da sueca Ericsson. Ou seja, praticamen­te toda conversa ou troca de dados por redes móveis do País hoje já passa por um equipament­o da chinesa. A Huawei também tem ampla atuação no governo. Equipament­os da companhia compõem as redes e datacenter­s de vários órgãos.

Com esse mesmo discurso, o governo dos EUA conseguiu

convencer diversos países a banirem a Huawei, como Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Índia, Japão e até o Reino Unido. Alemanha, França e Espanha, por sua vez, optaram por não restringir a atuação da companhia.

“Há competição lá fora, está disponível e os EUA estão prontos para financiar isso.” Joshua Hodges DIRETOR SÊNIOR INTERINO NO CONSELHO DE SEGURANÇA DOS EUA

Posse de Trump. Em encontro no Itamaraty, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que espera comparecer à posse de Donald Trump como mandatário reeleito. Bolsonaro disse que seu apoio “é de coração” e que não o esconde. Ele ressaltou a boa relação com os Estados Unidos.

“Espero, se essa for a vontade de Deus, comparecer à posse do presidente brevemente reeleito nos Estados Unidos. Não preciso esconder isso. É do coração”, afirmou. Ao finalizar a fala, Bolsonaro se despediu dos representa­ntes americanos presentes no local dizendo “até dezembro, se Deus quiser”.

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TINGSHU WANG/REUTERS-14/7/2020 Disputa. A adoção do 5G virou ponto central na agenda da delegação americana no Brasil; esforço é para barrar a Huawei

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