• RENOVAÇÃO
Pandemia trouxe hábito de compra irreversível, diz executivo; startup de Curitiba deve dobrar em receita e equipe em 2020 ‘Nenhum consumidor será 100% físico ou 100% online’
Em meio às incertezas da quarentena, muitos brasileiros mudaram seus hábitos: comprar pela internet e gastar mais com a própria casa foram dois comportamentos comuns. Houve quem soubesse navegar nessas novas preferências: é o caso da startup curitibana Madeiramadeira, especializada na venda de móveis e materiais de construção. Após ver uma queda muito grande de vendas no início de 2020, a empresa se prepara ver o faturamento dobrar na comparação com 2019.
“As pessoas estavam mais em casa e aproveitaram seu tempo para fazer reforma. Isso fez com que a gente acelerasse investimentos previstos só para 2021”, diz o presidente executivo da empresa, Daniel Scandian. O crescimento da Madeiramadeira, no entanto, não foi só na internet: após abrir duas lojas físicas no início do ano em Curitiba, a empresa deve chegar a 10 estabelecimentos até o fim de 2020 – a primeira loja em São Paulo, no Tatuapé, na zona leste, abre no próximo dia 9. Para Scandian, é uma busca para refletir o comportamento do consumidor atual.
“Nenhum consumidor é ou será 100% offline. E nenhum consumidor será mais 100% offline. Precisamos estar onde o cliente quer ter a experiência de compra”, diz o executivo, que fundou a startup em 2009, ao lado do irmão Marcelo e do amigo Robson Privado. Ao Estadão, Scandian fala mais sobre o atual momento da Madeiramadeira, que recebeu no ano passado um aporte de US$ 110 milhões liderado pelo Softbank. Ele disserta ainda sobre o comportamento do consumidor do futuro – para o executivo, a retração da pandemia pode reduzir o apetite das pessoas por reforma, mas não o hábito da compra digital.
• O e-commerce cresceu muito nos últimos meses, mas a Madeiramadeira atua num segmento específico, o de móveis e materiais de construção. Como está o negócio da empresa agora?
No início da pandemia, tivemos uma queda muito grande de vendas, os consumidores ficaram assustados. E depois houve uma explosão de vendas. Houve uma mudança de gastos das pessoas: turismo e restaurantes perderam espaço e produtos para casa ganharam atenção. Isso fez o online ganhar força também: no segmento de móveis, o e-commerce chegou a bater 17% em participação. Era 7%. Agora, estabilizou-se em 12%, com a reabertura de lojas físicas, mas seguimos num patamar acima de março. As pessoas estavam mais em casa e aproveitaram o tempo para fazer uma reforma, para preparar a casa para o fim do ano. Isso fez com que a gente acelerasse investimentos previstos só para 2021. Durante o ano, a gente chegou a ter picos de crescimento de 200% em alguns meses. Na média, vamos dobrar nosso tamanho contra 2019.
A Madeiramadeira já tem duas lojas físicas em Curitiba e vai abrir outra em São Paulo no mes que vem. Por que apostar no mundo físico agora?
A gente acredita que o mercado é omnichannel, isto é, multicanal. Nenhum consumidor é ou será 100% offline. E nenhum consumidor será mais 100% offline. A gente precisa estar onde o cliente quer ter sua experiência de compra. E há motivos para comprar de um jeito específico: o conforto de receber em casa, a necessidade de ter uma assistência de um vendedor. Móveis não são uma categoria simples de se comprar, como TVS: são produtos sem marcas tão estabelecidas e sem tanta recorrência de compra. Hoje, temos duas lojas físicas em Curitiba e vamos chegar a dez até o final do ano, incluindo essa em São Paulo. Vamos testar lojas diferentes, modelos diferentes, tamanhos, é um mercado importante. Mas todas as lojas são lojas guia (guide shop, em inglês): a compra segue sendo no site. Nenhuma das lojas têm estoque, nós aproveitamos a nossa eficiência logística. Temos uma empresa dentro do grupo só para tocar essa parte, com uma rede de transportadoras pelo País, com muita gestão e tecnologia embarcada.
• Muita gente diz que e-commerce não é startup, é loja. O que o sr. sente quando ouve isso? Para mim, uma startup precisa atender a três pilares. Um é desafiar o status quo. Outro é receber dinheiro de venture capital, de capital de risco. E claro, usar tecnologia para ser escalável e romper com o mercado atual. O nosso modelo de negócio atende os três pilares. A gente desenvolve muito software internamente para conseguir ter um modelo capaz de integrar tudo direto com a indústria. N ão temos estoques, fazemos o dropshipping, que é levar o produto do fabricante direto para o consumidor – e isso nos ajuda a ter um preço competitivo. Se uma startup não quebra o status quo, ela é uma empresa tradicional. E a gente é diferente: tem operador logístico sem ter caminhão, varejista sem estoque e loja sem estoque.
• Para suportar o crescimento, a startup precisa contratar. Como é contratar em meio à quarentena? Estamos contratando para todas as áreas. Tínhamos cerca de 700 pessoas no final de 2019, hoje estamos em 1,2 mil pessoas. E devemos chegar a 1,4 mil até o final do ano. Com o isolamento social, caiu a barreira de precisarmos contratar gente apenas em Curitiba. Hoje, estamos contratando no Brasil inteiro e em todas as áreas. E as nossas contratações não são só para tecnologia: com a operação logística, acabamos contratando muita gente, Hoje, são 16 centros de distribuição no Brasil, divididos nas regiões Sul e Sudeste. Em 2021, vamos expandir para o Nordeste também.
• O ano de 2021 não deve ser um ano fácil para o Brasil. Qual é a sua projeção?
É difícil prever, mas a crise sempre trouxe benefícios para a Madeiramadeira. Somos fortes na crise por conta da competitividade de preço. Na crise, as pessoas ficam mais sensíveis – e o nosso modelo sempre prezou pela economia de escala. Nos últimos anos, com crise, a gente já vinha tendo crescimento de 80% ao ano. Acreditamos que vai ficar tudo bem. É possível que as pessoas queiram gastar menos com a casa no futuro: no fim do ano ou após a vacina, a gente vai querer extravasar. Mas a digitalização não muda, as pessoas vão continuar mais digitais independentemente dos hábitos de consumo. E há uma coisa: a tecnologia sempre se desenvolveu mais rapidamente do que a adoção das pessoas dessa tecnologia. Então, o que houve foi uma aceleração da adoção do que já existia – e há muito mais para vir por aí.
• O comércio eletrônico brasileiro ganhou recentemente um unicórnio, a Vtex. A Madeiramadeira é frequentemente citada como candidata a valer mais de US$ 1 bilhão. É uma meta para a empresa? Há planos de captação ? Todas as pessoas em torno da Madeiramadeira esperam que a empresa seja valorizada. Mas é o mercado que vai dizer se a empresa merece essa valorização. O que a gente pode fazer é controlar as entregas. Mas a gente pensa no longo prazo, então entendo que quanto maior o valor da companhia, maior é a pressão para a entrega de resultados. Mas não posso falar nada sobre uma rodada de aportes.
“A tecnologia sempre se desenvolve mais rápido do que a adoção das pessoas. O que houve (nos últimos meses) foi uma aceleração na adoção do que já existia. Há muito mais para vir por aí.”