O Estado de S. Paulo

O IDEALISMO DE UM CINEASTA

No longa ‘Os 7 de Chicago’, já candidato ao Oscar, Sorkin defende as liberdades civis

- David Villafranc­a Aaron Sorkin, roteirista e diretor / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Aaron Sorkin é um idealista. Seus apaixonado­s roteiros sempre imaginam uma política comprometi­da (The West Wing – Nos Bastidores do Poder), ou uma mídia honesta (The Newsroom) e por isso não surpreende o fato de que, agora, com o filme Os 7 de Chicago, já disponível na Netflix, ele faz uma defesa do protesto cidadão com total fervor.

“As pessoas que saem às ruas para protestar são as mais patriótica­s”, afirmou ele. O carismátic­o autor que, depois de ganhar um Oscar de melhor roteiro pelo filme A Rede Social (2010), volta a ser um candidato aos prêmios da Academia de Cinema de Hollywood com um filme que aparece em todos os prognóstic­os.

O filme se concentra em um controvert­ido julgamento nos Estados Unidos em que um grupo de ativistas de esquerda foi acusado de provocar distúrbios na Convenção Nacional Democrata de 1968.

Com um elenco formidável (Sacha Baron Cohen, Eddie Redmayne, Frank Langella, Mark Rylance, Yahya Abdulmatee­n II), Sorkin escreveu e dirigiu este filme poderoso que, embora ambientado nos anos 1960, reflete temas de grande atualidade nos Estados Unidos, como a defesa das liberdades civis, a luta contra a injustiça, a criminaliz­ação dos protestos ou os atritos entre a esquerda moderada e radical.

• Você tem uma longa e vitoriosa carreira como roteirista, mas este é seu segundo filme como diretor, depois de A Grande Jogada, de 2017. Qual o prazer de se sentar atrás das câmeras?

Desfruto do grupo de pessoas com as quais trabalho diariament­e. E é agradável ficar envolvido com o filme por mais tempo. Sempre estou no set de filmagem para ver coisas que escrevi, mas depois, durante a pós-produção, você tem de partir, deixar para o diretor e o pessoal da montagem fazerem o seu trabalho e, na verdade, você não vê nada até uma primeira montagem pronta para lhe mostrar. Gosto de estar presente durante todo o percurso e é belo saber que, quando há um erro, ele é seu.

• Por que os anos 1960 são tão relevantes para entendermo­s o momento presente?

Ao escrever, e depois dirigindo o filme, não pensei nos anos 1960, mas no momento presente. O filme nunca foi feito com o pensamento em 1968, e sim nos dias de hoje, especialme­nte quando esse “hoje” remonta a 14 anos, quando Steven Spielberg me disse: “quero que você escreva um roteiro para um filme sobre os sete de Chicago”. Fiz questão de não nos atermos à iconografi­a dos anos 1950: os símbolos de paz, as camisetas pintadas, a estética psicodélic­a. E disse ao nosso compositor, Daniel Pemberton, que a trilha sonora não deveria ter os habituais hinos de protesto, teria de ser uma partitura contemporâ­nea, com grande orquestra. Depois, o mundo se encarregou do resto, os Estados Unidos cuidaram do resto. E Donald Trump também. Acreditáva­mos que o filme era totalmente relevante quando o produzimos no inverno passado, não precisava se tornar ainda mais relevante. Mas nós o fizemos, você sabe, com os protestos acontecend­o nas ruas sobre os disparos da polícia contra os afro-americanos. Esses manifestan­tes que enfrentara­m o gás lacrimogên­eo e os cassetetes. De repente, as notícias pareciam cenas do nosso filme.

• Pensando no movimento Black Lives Matter e na criminaliz­ação dos manifestan­tes no filme, você acredita que o direito de protestar está em risco nos Estados Unidos?

Sim. E temos provas. Quando manifestan­tes totalmente pacíficos na Lafayette Square, na frente da Casa Branca, foram dispersado­s com gás e balas de borracha pelas forças de segurança para que Trump pudesse ter sua foto em uma igreja, esse foi um momento assustador. E também quando Trump diz no seu Twitter que temos de acusar esses manifestan­tes de conspiraçã­o. Isto é traição, é uma tentativa de derrubar um país. É a demonizaçã­o do protesto, seja a rua protestand­o contra o assassinad­o de George Floyd ou um atleta se colocando de joelhos pacificame­nte no campo durante o hino nacional. Meu maior desejo com este filme é que as pessoas se entretenha­m durante as duas horas em que peço sua atenção. E é um filme de entretenim­ento: você vai rir, vai comer pipoca enquanto o assiste. Mas também quero prestar homenagem às pessoas que saem às ruas para protestar como as mais patriótica­s entre todos nós.

• Em suas histórias, sempre há um toque de otimismo, às vezes de idealismo. Você está otimista diante das próximas eleições?

Sou otimista. Se me perguntar a razão disto, não poderia indicar algo específico do que o fato de que neste país nossos dias mais sombrios sempre foram seguidos de horas mais brilhantes. Foi um brusco despertar ver nestes últimos quatro ou cinco anos quantas pessoas foram tão facilmente persuadida­s por este palhaço grotesco e estúpido, e perceber quanto ódio há por trás disto. Pensávamos que isto havia desapareci­do nos anos 60, mas agora está de volta. Como você disse, escrevo de maneira otimista, idealista e romântica, e isto é porque gosto de escrever sobre heróis, que não usam capas, não têm superpoder­es, e sobre a bondade da qual somos capazes. E, se vou escrever assim, deveria me sentir do mesmo modo na vida real (risos). • Após as eleições de 2016, você escreveu uma carta inspirador­a e emotiva dedicada à sua filha sobre como superar a decepção. Se Trump vencer a eleição novamente, o que escreveria a ela agora? É curiosa a sua pergunta, porque andei pensando nisso. Como muitos pais com filhos jovens, passei muito tempo nos últimos anos dizendo a ela que “isto não é normal. Isto não é o que deveria ser, tinha de ser algo muito diferente”. Mas, se ele vencer novamente, não podemos continuar dizendo que não é normal. Creio que a carta para ela terá de ser de ânimo: “Não se renda, não se transforme numa pessoa sombria ou cínica. Continue lutando: é assim que venceremos”.

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NIKO TAVERNISE/NETFLIX Julgamento. O filme trata de um assunto de 1968

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