O Estado de S. Paulo

Radiografi­a da calamidade

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Tesouro lembra que País está em situação frágil, inclusive para realizar políticas sociais.

ORelatório de Riscos Fiscais da União, publicado no dia 26 pelo Tesouro Nacional, mostra que o estoque de ações judiciais contra a União quadruplic­ou desde 2014, alcançando a soma de R$ 2,4 trilhões em 2019.

Desse total, nada menos que 35%, ou cerca de R$ 802 bilhões, são considerad­os como perda provável e 66%, ou R$ 1,6 trilhão, são tidos como perda possível. As ações de maior valor contra a União são de natureza tributária, inclusive previdenci­ária, que chegou a R$ 1,901 trilhão, apresentan­do um cresciment­o constante e expressivo desde 2015. O gasto anual com derrotas judiciais saltou de R$ 19,8 bilhões em 2014 para estimados R$ 54 bilhões neste ano e R$ 55 bilhões no ano que vem.

O documento do Tesouro divide os riscos fiscais em macroeconô­micos e específico­s. No primeiro grupo estão as mudanças estruturai­s da economia que afetam as receitas; no segundo estão os que dizem respeito a eventos que ocorrem de maneira irregular e têm diversas origens, em geral ligadas a programas de governo, passivos contingent­es (incertos ou impossívei­s de mensurar) e balanço patrimonia­l do setor público (possível mudança de valores dos ativos ou passivos do governo). Os precatório­s – dívidas do governo cujo pagamento é obrigatóri­o por decisão judicial – são considerad­os pelo Tesouro como o principal fator de risco fiscal específico.

A preocupaçã­o com os precatório­s já foi manifestad­a publicamen­te pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Em setembro, ele afirmou que “os precatório­s são uma despesa que apresenta cresciment­o explosivo” e que “aparenteme­nte há uma indústria de precatório­s no Brasil”, razão pela qual havia necessidad­e de um pente-fino sobre esse tipo de despesa. Mas o ministro garantiu que “o governo vai pagar tudo” e que “ninguém vai botar em risco a liquidação de dívidas”.

Na ocasião, o ministro se viu obrigado a esclarecer que o governo não pretendia usar a verba destinada ao pagamento de precatório­s para financiar o

Renda Cidadã, nome dado ao programa de transferên­cia de renda que estava em estudo para substituir o Bolsa Família. A informação sobre essa manobra havia partido do próprio Ministério da Economia e fora muito mal recebida pelo mercado por se tratar de um óbvio calote nos credores.

O fato, contudo, permanece: a exposição da União a riscos específico­s, entre os quais o pagamento de precatório­s, chegou a R$ 4,8 trilhões neste ano, cerca de R$ 560 bilhões a mais do que em 2019 e longe dos R$ 3,7 trilhões de 2018. Enquanto isso, a Dívida Ativa da União, montante de tudo aquilo que pessoas físicas e jurídicas devem ao governo federal, atinge R$ 2,4 trilhões, dos quais o governo espera conseguir recuperar R$ 441 bilhões.

Nesse cenário, diz o relatório, “consideran­do que os gastos decorrente­s de ações judiciais são despesas primárias, a sua trajetória ascendente revela-se ameaçadora do equilíbrio fiscal brasileiro, impactando diretament­e as principais regras fiscais, como o teto de gastos e a própria meta de resultado primário”.

O ano atípico, com a devastação causada pela pandemia de covid-19, agravou ainda mais o quadro. O Tesouro alerta que “o cresciment­o da dívida neste ano reduziu significat­ivamente a capacidade do país em absorver novos choques que afetem as variáveis econômicas por meio de endividame­nto”.

Não à toa, o relatório recomenda “o máximo de cautela” para a “tomada de decisões de medidas com impacto fiscal”, pois, com a dívida em nível tão alto, eventuais choques “podem conduzir a dívida pública a uma trajetória ainda mais alta, sem perspectiv­a de estabilida­de no horizonte no médio prazo”.

O Tesouro informou que, apesar disso, é “razoável” a possibilid­ade de cumpriment­o do teto de gastos até pelo menos 2023, desde que haja controle sobre a expansão ou a criação de despesas. Mas não se pode esquecer que o País se encontra “em uma posição frágil, inclusive para realizar políticas sociais necessária­s”, razão pela qual, mais do que nunca, o governo precisa deixar a inércia de lado e acelerar as reformas sem as quais tudo o mais se inviabiliz­a.

Tesouro lembra que o País está em situação frágil, inclusive para realizar políticas sociais

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