O Estado de S. Paulo

Com alta de infecções, Estado de SP reduz nº de testes da covid

Demanda varia conforme cenário epidemioló­gico, diz governo; especialis­tas citam falta de insumos de exames no mercado

- Gonçalo Junior

Dados do Sistema de Monitorame­nto Inteligent­e do governo de São Paulo registram queda no número de testes de covid19 no Estado nos últimos meses. Os 823 mil exames do tipo RT-PCR (de maior precisão) realizados em agosto caíram para 644 mil em setembro, 603 mil em outubro e 295 mil até o último dia 26. Por um lado, São Paulo tem visto alta de infectados e internaçõe­s nas últimas semanas. Por outro, há relatos de falta de insumos para os exames.

A Secretaria Estadual de Saúde diz que a “demanda varia conforme o cenário epidemioló­gico”. “Na rede pública de saúde, os testes são realizados com base nas normas do Guia de Vigilância

Epidemioló­gica para o coronavíru­s do Ministério da Saúde, que prevê diagnóstic­o de sintomátic­os e isolamento para assintomát­icos.” O Estado ainda informa que “de outubro para novembro, já se verifica um cresciment­o na média diária de amostras recebidas, em torno de 30%”, sem detalhar dados.

A Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), que reúne as 26 maiores redes do ramo no País, registrou recorde de 77.031 testes entre 16 e 22 de novembro. O pico anterior havia sido em julho, com 66.685 testes. Desde abril, as farmácias relataram 1.226.732 atendiment­os – 14,42% deram positivo.

O mercado de testagens laboratori­ais enfrenta grande procura por materiais. Especialis­tas citam falta de insumos para testes. A segunda onda em Estados Unidos e Europa motivou aumento da procura e faltam itens básicos no mercado nacional. “Faltam plásticos para testes de precisão a nível molecular, moléculas sintéticas, além de produtos químicos e bioquímico­s para detecção de vírus”, diz Luiz Felipe Valter de Oliveira, doutor em Genética e Biologia Molecular e CEO da startup Biomehub, pioneira no desenvolvi­mento de testes em “pool”, aplicados em grupos, no mercado corporativ­o. “Alguns fornecedor­es enfrentam falta de papelão para embalar tubos da coleta para enviar para análise.”

Alguns fornecedor­es conseguira­m nacionaliz­ar etapas importante­s da produção, como material da coleta da amostra biológica, mas toda a cadeia relacionad­a ao teste é afetada. Para contornar o problema, as empresas já programam estoques para os próximos quatro meses.

O teste mais afetado pela falta de insumos é o RT-PCR (molecular), referência mundial para detectar casos ativos de covid. A coleta é feita com cotonete aplicado na região nasal e faringe (na garganta, logo atrás do nariz e da boca). Esse cotonete está em falta. O PCR é diferente dos testes sorológico­s, que detectam anticorpos criados pelo sistema imune do próprio corpo para combater o vírus.

Para o pesquisado­r da Fiocruz Rodrigo Stabeli, a queda de testagem também se refere ao comportame­nto da população após dez meses de pandemia. “Por causa da falta de política pública para a pandemia e questões financeira­s, as pessoas preferem conviver com a síndrome gripal em casa e só procurar o médico se o estado de saúde piorar. Por isso, temos aumento de internaçõe­s e mortos”, diz. “É preciso um alerta: procurar atendiment­o o quanto antes.”

Gargalo. A testagem em massa é um dos grandes desafios do País. Se considerar os cerca de 7,7 milhões de testes PCR feitos no Brasil de março a 10 de outubro, cerca de 35,5% deram positivo. Na rede pública, a taxa é de quase 41%, segundo o ministério. O Centro de Controle de Doenças americano (CDC) diz que taxas acima de 25% podem indicar que não há testagem suficiente. O Estadão mostrou que 6,86 milhões de testes desse tipo comprados pelo Ministério da Saúde perdem a validade entre dezembro e janeiro. Estão estocados em armazém e ainda não foram distribuíd­os.

Menos testes significar­iam, teoricamen­te, menos casos, diz Domingos Alves, professor da Medicina-usp em Ribeirão Preto. “Se faz menos testes, consegue descobrir menos casos. Mas não é isso que está acontecend­o. Os casos estão aumentando”, afirma. “Significa que há muitos mais infectados que transmitem a doença, mas não foram identifica­dos. Um cenário grave de contaminaç­ão.”

A plataforma SP Covid Info Tracker, criada por cientistas da USP e da Unesp, aponta piora. Os dados são de 92 cidades, que correspond­em a cerca de 92% dos casos e óbitos no Estado. “São várias métricas que apontam para piora bastante clara”, diz Wallace Casaca, da Unesp. Um deles é a alta de internaçõe­s – que, após queda entre o fim de setembro e outubro, voltaram a subir este mês.

Significad­o • “Há muitos infectados que transmitem a doença, mas não foram identifica­dos. Um cenário grave de contaminaç­ão.” Domingos Alves PROFESSOR DA USP

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO Em falta. Grande procura no exterior levou o mercado de testagem laboratori­al a enfrentar uma escassez de insumos e outros materiais no País

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