O Estado de S. Paulo

HORA DO VOTO Carlos Melo

Resultado estaria definido, não fosse política e não fosse São Paulo.

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Aapreensão sobre as eleições de 2020 era legítima. Desde 2014, o clima foi de degradação política, níveis crescentes de conflito, ataques pessoais, e muitas, muitas fake news. A expectativ­a quanto à extrema-direita, disposta a desqualifi­car e a maldizer a democracia liberal, também estava presente – a começar pela postura desde sempre beligerant­e do presidente da República.

Contudo, as eleições terminam com balanço positivo, pelo menos até aqui – infelizmen­te, a prudência ainda exige o reparo de precaução. Os conflitos ocorreram sob limites impostos pela civilizaçã­o. À exceção do caso do Rio de Janeiro, onde Marcelo Crivella, no desespero da última hora, resolveu reviver 2018, as divergênci­as foram discutidas em níveis aceitáveis; rusgas políticas e até familiares – caso do Recife – emergiram; denúncias foram feitas baseadas em pelo menos algum indício. De tudo um pouco, mas nada que o tempo e a aceitação dos resultados não superem.

A extrema-direita teve cresciment­o apenas relativo nas Câmaras, contudo não logrou sucesso nos Executivos. Os candidatos intensamen­te apoiados pelo presidente Bolsonaro em seu horário eleitoral fake foram solenement­e ignorados pelos eleitores. Políticos experiente­s foram resgatados e a ideia de que a solução dos problemas deve se dar pela via da negociação foi fortalecid­a.

Também o fim das coligações proporcion­ais foi importante. O número de Câmaras Municipais com até cinco partidos quase triplicou, já a quantidade de parlamento­s municipais com mais de cinco legendas foi reduzida a menos da metade. No geral, os prefeitos terão melhores condições de negociação com as forças políticas, a representa­ção ficará mais nítida; em tese, a sociedade observará sistema mais coeso. Agora, cabe não permitir que, no Congresso Nacional, interesses contrariad­os anulem avanços nesse campo.

Na maior cidade do País, São Paulo, a eleição transcorre­u calmamente, em que pese um ou outro excesso das torcidas. Como informou a jornalista Vera Magalhães, Bruno Covas sabe que Guilherme Boulos não é radical e extremista; Guilherme Boulos reconhece que Covas não é fascista ou bolsonaris­ta.

Na véspera, pesquisa Ibope/Estadão/TV Globo aponta estagnação: o prefeito consolidad­o nos 48% do total de votos, e o psolista com significat­ivos 36%; indecisos, brancos e nulos ainda podem mudar o quadro. Mesmo assim, o resultado estaria definido, não fosse política e não fosse São Paulo. No primeiro turno, Boulos embolava em segundo lugar; na boca de urna, disparou.

As urnas são soberanas e São Paulo é expressão da diversidad­e e autonomia da política. Qualquer que seja o resultado, ele será democratic­amente válido e reconhecid­o. Deveria ser óbvio, mas isso tudo é muito positivo.

CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR DO INSPER

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