O Estado de S. Paulo

Luz amarela nos preços

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OBrasil estará no pior dos mundos, ou perto disso, se o governo tiver de cuidar ao mesmo tempo do buraco nas contas públicas, ampliado na crise de 2020, e de uma inflação mais intensa que a dos últimos anos. As famílias já foram assombrada­s nos últimos meses por preços em alta mais acelerada. As projeções para este e para os próximos dois anos continuam, no entanto, compatívei­s com as metas oficiais. Mas o ministro da Economia deveria levar em conta alguns sinais de alerta. Estão acesas pelo menos duas luzes amarelas e nenhuma delas é pouco relevante.

Um dos sinais aponta para a amplitude das pressões. A prévia de inflação de novembro, o IPCA-15, veio com alta de 0,81%, a mais forte para o mês desde 2015, quando a variação chegou a 0,85%. Mas o dado mais inquietant­e é a difusão dos aumentos. Com variação de 2,16% em quatro semanas, o custo da alimentaçã­o continuou liderando as altas, mas houve remarcaçõe­s em todos os grandes grupos de produtos. Além disso, o indicador geral subiu em todas as capitais e áreas metropolit­anas cobertas pela pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE). Não se trata, portanto, de uma inflação de alimentos nem de um desajuste localizado em algumas áreas.

No ano o IPCA-15 subiu 3,13%. A alta chegou a 4,22% em 12 meses. Essa taxa está pouco acima do centro da meta oficial de 2020 (4%). Se no fim do ano estiver abaixo desse ponto central, o IPCA deverá estar provavelme­nte muito próximo.

Outro alerta importante mostra pressões ainda represadas. Os preços por atacado medidos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) subiram 4,86% em outubro. Em setembro haviam aumentado 4,38%. A alta passou de 6,77% para 6,78% no caso das matérias-primas brutas e de 3,21% para 4,43% no dos bens intermediá­rios. As maiores variações ainda foram dos bens de origem agropecuár­ia, mas a inflação no atacado atinge também as outras categorias.

Os preços têm subido, no entanto, bem menos rapidament­e no varejo que no atacado. A diferença é mostrada no próprio Índice Geral de PreçosMerc­ado (IGP-M) da FGV. Em outubro, a inflação para o consumidor ficou em 0,65%, abaixo da registrada em setembro (0,82%). Esses números confirmara­m, mais uma vez, um forte represamen­to. As empresas continuam com dificuldad­e para repassar os aumentos ao varejo, mas, ainda assim, as pressões têm chegado ao comprador final. Chegarão mais facilmente se as famílias tiverem algum reforço financeiro e puderem ir às compras com um pouco menos de restrições.

A inflação do atacado aparece também no Índice de Preços

ao Produtor calculado pelo IBGE. Em outubro os preços da indústria, sem impostos e sem frete, subiram 3,40%, na maior alta da série iniciada em janeiro de 2014. Haviam subido em setembro 2,34%. No ano a alta chegou a 17,29%. Em 12 meses alcançou 19,08%. Os produtos das indústrias extrativas encarecera­m 9,71% em outubro e 50,31% em dez meses. Nas indústrias de transforma­ção os preços aumentaram 3,04% no mês e 15,73% em 2020.

A inflação do atacado é mais grave no Brasil que na maior parte dos outros países, segundo estudo de Andrea Damico, economista-chefe da gestora de investimen­tos Armor Capital. Um exame baseado em preços ao produtor de 82 países, com dados até setembro, mostrou o Brasil em segundo lugar, só atrás da Argentina, entre os países com maiores altas. No Brasil, em 12 meses, a variação chegou a 31,05%, de acordo com o índice da FGV. Na Argentina a alta foi de 39,20%. Apenas cinco países aparecem com altas superiores a 10% nesse período.

A economista ressalta, no exame da situação brasileira, três fatores: a alta do dólar, a valorizaçã­o global das commoditie­s e o aumento da demanda interna propiciado pelo auxílio emergencia­l. A inseguranç­a quanto às contas públicas é parte desse quadro. Vários analistas têm apontado a incerteza fiscal como um dos fatores de pressão cambial, além, é claro, da reação de investidor­es à devastador­a política antiambien­tal do presidente Jair Bolsonaro.

Governo deveria dar atenção à inflação disseminad­a e aos preços por atacado

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