O Estado de S. Paulo

No Rio, 2º turno com ataques e fake news

A um dia da eleição, pesquisa Ibope mostra Eduardo Paes com 68% dos votos válidos, ante 32% do atual prefeito, Marcelo Crivella

- Caio Sartori / RIO

Após um primeiro turno sem muitas surpresas, a reta final da campanha pela prefeitura do Rio – disputada entre o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) e o atual, Marcelo Crivella (Republican­os) – foi marcada por acusações e fake news. Crivella chegou a dizer que, caso Paes vencesse, haveria “pedofilia nas escolas”. O acirrament­o da campanha acabou deixando em segundo plano o debate sobre propostas para a cidade neste segundo turno.

As acusações sem fundamento renderam a Crivella uma denúncia da Procurador­ia Regional Eleitoral, que pede sua condenação por difamação e propaganda falsa. Como resposta, Paes passou a chamar o adversário de “pai da mentira”, em referência à figura do diabo – Crivella é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) e tem os evangélico­s como sua maior base eleitoral.

Foi a esses eleitores que Paes dirigiu uma propaganda em que apontou os “sete pecados” do adversário. O candidato do DEM também apostou no discurso de que o prefeito é um “traidor”, lembrando em vídeos que, antes de abraçar o bolsonaris­mo, Crivella foi aliado do PT, ocupando inclusive o Ministério da Pesca no governo Dilma Rousseff.

A forma como a campanha se desenrolou tem relação com as pesquisas, que sempre colocaram Paes como favorito. No último levantamen­to Ibope/TV Globo, divulgado ontem, o exprefeito aparecia com 36 pontos porcentuai­s na frente de Crivella – 68% dos votos válidos, ante 32% de Crivella. O levantamen­to foi registrado sob o número RJ 05249/2020,na Justiça Eleitoral.

Na liderança desde o início do primeiro turno, Paes fez uma campanha em que administro­u a vantagem. Durante a disputa, ele comparou os seus dois mandatos (2009-2016) ao de Crivella – o prefeito era rejeitado por 58% dos eleitores, conforme levantamen­to do Ibope antes do primeiro turno. O slogan da campanha de Paes dava o tom: “O Rio vai voltar a dar certo”. Ele também insistiu que não se poderia eleger “um novo Crivella ou um novo Witzel” – uma referência ao governador, Wilson Witzel (PSC), afastado do cargo acusado de corrupção.

Neste ano, diferentem­ente de 2018, os adversário­s não conseguira­m associar a imagem de Paes ao ex-governador Sérgio Cabral Filho (MDB), de quem era aliado. Cabral está preso desde 2016 e condenado a mais de 300 anos.

Como proposta, Paes disse que quer retomar o funcioname­nto de serviços básicos da cidade, como os da saúde, deixando de lado grande projetos que marcaram suas gestões anteriores, como a Copa do Mundo e a Olimpíada. Os recursos, no entanto, são mais escassos hoje do que há quatro anos, e esse será o principal desafio para a próxima gestão.

Nos últimos dias, o que se viu foi um candidato que conciliou as respostas aos ataques com uma agenda que privilegio­u seus redutos. Na quinta-feira, por exemplo, foi ao bairro de Madureira, na zona norte. É onde fica a Portela, sua escola de samba do coração, e o Parque Madureira, uma das principais obras da sua administra­ção.

Nomes nacionais. O segundo turno do Rio também teve como caracterís­tica a pouca participaç­ão de lideranças nacionais nas campanhas. Os partidos de esquerda pregaram uma espécie de voto crítico em Paes, para tirar Crivella da prefeitura. Partidos mais à direita, como o PSD, foram mais explícitos ao apoiar o ex-prefeito.

Crivella manteve seu nome atrelado ao do presidente Jair Bolsonaro. O presidente, porém, se recolheu nas últimas duas semanas e evitou entrar na eleição do Rio, diferentem­ente do que fez na reta final do primeiro turno. Bolsonaro recusou-se a gravar um novo vídeo ao lado do prefeito e a participar de ato de campanha na cidade. A possibilid­ade de uma derrota por uma margem muito grande de votos de seu candidato afastou Bolsonaro do Estado onde fez carreira política.

O único gesto mais forte de apoio se deu na última quintafeir­a. Na live semanal, endossou a informação falsa, propagada por Crivella, de que o PSOL comandaria a Secretaria de Educação no governo Paes e implementa­ria “pedofilia nas escolas”. O partido e o candidato do DEM desmentem qualquer acordo para formação de um futuro governo.

Palanques. Crivella é do Republican­os, partido ligado à Iurd e que serviu de abrigo temporário para bolsonaris­tas que tentam formar o Aliança Pelo Brasil. Primeiro representa­nte da igreja a ocupar a prefeitura de uma grande capital, Crivella foi eleito beneficiad­o pela alta rejeição a seu adversário no segundo turno de 2016, o deputado Marcelo Freixo (PSOL). Até então, ele havia sido derrotado duas vezes em disputas ao Palácio da Cidade e outras duas ao governo do Estado.

Antes de chegar ao cargo Executivo, Crivella passou por muitos palanques, como uma espécie de fiador de candidatos interessad­os no voto evangélico. Esteve com os ex-presidente­s Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva, com os ex-governador­es Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, com o ex-senador Lindbergh Farias e até com o atual adversário Paes, na campanha presidenci­al de Dilma em 2010.

A aliança com o bolsonaris­mo é mais recente – em 2018, Crivella não esteve com o então presidenci­ável do PSL em nenhum momento e seu partido apoiava Geraldo Alckmin.

Protagoniz­ada por duas figuras que há mais de dez anos têm presença certa nas disputas locais, o segundo turno no Rio não teve um representa­nte da esquerda. Muito pautado pela rejeição a Crivella, o embate se concentrou no pragmatism­o e na postura plebiscitá­ria de “sim” ou “não” ao atual governo. Nesse cenário, o nome de Paes, candidato capaz de oscilar para os dois lados do espectro político, se consolidou.

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ANDRE MELO ANDRADE/IMMAGINI DEM. Paes passou a chamar Crivella de ‘pai da mentira’ após citação a pedofilia em escolas
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BLOOMBERG PHOTO BY ANDRE COELHO Republican­os. Em segundo nas pesquisas, Crivella resgatou fake news, como a do ‘kit gay’

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