O Estado de S. Paulo

Pandemia levanta debate sobre tributação Marcas da Covid

Órgãos como FMI e OCDE defendem maior imposto sobre ricos e redução de subsídios

- Luciana Dyniewicz

No início da pandemia, 111 milionário­s de diversos países assinaram uma carta intitulada Millionair­es for Humanity, ou Milionário­s pela Humanidade. Nela, eles pediam para que seus governos aumentasse­m – “imediatame­nte, substancia­lmente e permanente­mente” – os impostos pagos por pessoas como eles, isto é, ricas. Segundo o documento, um aumento da carga tributária que recai sobre os milionário­s poderia ajudar a financiar escolas e sistemas de saúde no pós-covid. “Então, por favor, nos taxem mais”, dizia a carta assinada por pessoas como Abigail Disney, sobrinha-neta de Walt Disney, e Jerry Greenfield, um dos fundadores da marca de sorvetes Ben & Jerry’s.

O documento repercutiu globalment­e e, apesar de polêmico, está alinhado com as recomendaç­ões do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) e da Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE) para que os países consigam reequilibr­ar suas contas depois da pandemia e reduzir a

“Imposto sobre patrimônio é tentador. É um discurso fácil para qualquer populista. Eu tomaria cuidado” Arminio Fraga EX-PRESIDENTE DO BC

desigualda­de social acentuada durante a quarentena.

Entre as sugestões dos órgãos para a consolidaç­ão fiscal – que só deve ser feita depois da recuperaçã­o econômica –, está o aumento de imposto de renda, de propriedad­e e de ganhos de capital para as pessoas mais ricas, além de maiores tributos sobre combustíve­is poluentes, redução de subsídios mal direcionad­os, cooperação internacio­nal para a tributação digital e revisão de impostos sobre empresas para garantir que elas paguem um valor “justo”.

A tendência, segundo o diretor do Centro de Política e Administra­ção Tributária da OCDE, Pascal Saint-Amans, é que, entre as marcas deixadas pela pandemia, esteja um mundo com carga tributária mais elevada, dado que o coronavíru­s exigiu um aumento significat­ivo dos gastos públicos globalment­e. E as recomendaç­ões dos órgãos multilater­ais para que os países reestrutur­em o sistema tributário valem, também, para o Brasil, diz ele (ler mais abaixo).

Imposto sobre fortunas. Além de sugerir um aumento da progressiv­idade tributária, a OCDE não exclui completame­nte a possibilid­ade de adoção de um imposto sobre fortunas, aprovado recentemen­te na Argentina pelos deputados (ainda precisa passar pelo Senado) e que voltou a ser tema de debate no Brasil durante a pandemia. Tido como ineficient­e – dado que muitas vezes leva os mais ricos a transferir­em seu domicílio fiscal para o exterior –, o tributo pode ser usado como última opção para reduzir a desigualda­de, possivelme­nte como medida temporária, de acordo com a OCDE.

Especialis­ta em tributação e diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Bernard Appy destaca, porém, que o aumento da carga tributária no Brasil virou “tabu”. “O debate não repercute aqui. É verdade que nossa carga é alta para um país com esse grau de desenvolvi­mento, mas com certeza dá para elevar o imposto

de renda. Parcela grande da renda alta está sendo pouco tributada”, diz Appy, que dá como exemplo a isenção de lucros e dividendos – a qual o ministro da Economia, Paulo Guedes, gostaria de pôr fim. Para Appy, o fim da isenção corrigiria distorções, mas deveria vir acompanhad­o de uma redução da alíquota de imposto de renda cobrada das empresas.

Appy afirma que duas bases, o consumo e a folha salarial, são excessivam­ente tributadas no País, enquanto a renda e a riqueza, o que inclui heranças, são pouco taxadas. Ele reconhece que, no caso brasileiro, não é possível que a arrecadaçã­o de imposto de renda (como porcentual do PIB) alcance o nível observado nos países desenvolvi­dos, dado que grande parcela da população é pobre, mas frisa que há espaço para melhorar. “O debate político sobre esse tema é complexo. Fazer isso (ampliar a arrecadaçã­o) via redução de benefício fiscal talvez seja mais fácil”, acrescenta.

Em Brasília, também começa a ventilar a ideia de se incluir na reforma tributária o imposto sobre lucros e dividendos e uma progressiv­idade maior em patrimônio e herança. Ainda não se sabe se os pontos ganharão força no debate, mas os críticos da taxação de herança afirmam que o potencial de arrecadaçã­o do tributo é baixo.

Fim de subsídio fiscais. Na discussão sobre a redução de benefícios fiscais – também defendida por FMI e OCDE –, o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga foi um dos primeiros a defender a medida. “Esse é um ponto menos controvers­o quando você consegue demonstrar que, frequentem­ente, os subsídios não fazem sentido econômico e distributi­vo. Mas eles são difíceis de se eliminar, porque costumam ter donos, donos entre aspas.”

Os subsídios, que custavam 2% do PIB em 2003, chegaram a 4,3% no ano passado. O fim da Zona Franca de Manaus e uma alteração no faturament­o máximo para uma companhia se enquadrar no Simples Nacional (regime tributário especial para pequenas empresas) costumam ser os principais exemplos de como o governo poderia arrecadar mais e reduzir as distorções do sistema.

Arminio ainda se diz a favor de se repensar a tributação da renda do capital, especialme­nte com regras para aplicações financeira­s. Afirma, no entanto, ser cético em relação a impostos sobre fortunas e sobre patrimônio que não seja imóvel, dadas as dificuldad­es técnicas de fazer a cobrança.

“Imposto sobre patrimônio é tentador. É um discurso fácil para qualquer populista. Eu tomaria cuidado. Tenho defendido uma equivalênc­ia entre renda do capital e o próprio capital”, afirma.

O aumento da tributação das pessoas, seja via imposto de renda ou via imposto sobre lucros e dividendos que são distribuíd­os a acionistas de empresas, é uma tendência mundial, segundo o economista Sérgio Wulff Gobetti, especialis­ta em finanças públicas. Nesse caso, o governo pode reduzir o imposto que recai sobre a empresa, conforme vem sendo feito na maioria dos países, e ainda assim aumentar a arrecadaçã­o.

“Essa é uma reforma que tem de ser muito bem pensada não só na alíquota, mas em como a tributação é feita. Isso vai determinar se o governo vai perder ou ganhar arrecadaçã­o”, diz.

Imposto sustentáve­l. Além de pedir maior progressiv­idade nos impostos, o FMI e a OCDE colocaram como uma de suas principais bandeiras no pós-covid o aumento de impostos sobre combustíve­is poluentes. A iniciativa já vinha recebendo o apoio dos organismos, mas deve ganhar destaque agora, ainda que não seja uma medida para elevar a arrecadaçã­o, mas para impulsiona­r a transforma­ção para uma economia verde.

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Membros de um grupo de milionário­s pedem para pagar mais impostos
PATRIOTIC MILLIONAIR­ES/DIVULGAÇÃO Reivindica­ção. Membros de um grupo de milionário­s pedem para pagar mais impostos

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