O Estado de S. Paulo

Crise de 2008 mudou postura na área fiscal do FMI e da OCDE

Organismos passaram a defender políticas ‘mais sensíveis às desigualda­des’, de acordo com OCDE

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A cartilha para a área fiscal do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) e da Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE) mudou. Recomendaç­ões para priorizar estritamen­te o equilíbrio das contas públicas foram substituíd­as por sugestões para que os governos sejam cautelosos e que não adotem medidas de austeridad­e sem se preocupar com possíveis impactos sociais.

Essa alteração vem na esteira da crise de 2008 e 2009. “O FMI e a OCDE se moveram, não falaria mais para a esquerda, mas em direção a políticas mais sensíveis às desigualda­des nos últimos 10 anos. Com a crise de 2008, atingimos o ponto em que o mundo acordou para o fato de que a globalizaç­ão trouxe muitas coisas boas, mas também um aumento de desigualda­de dentro dos países. O nível de desigualda­de entre países reduziu, com o cresciment­o das economias emergentes, mas dentro dos países cresceu”, diz o diretor do Centro de Política e Administra­ção Tributária da OCDE, Pascal Saint-Amans.

Para financiare­m um desenvolvi­mento mais inclusivo, conforme os organismos têm sugerido, e também em decorrênci­a do aumento da intervençã­o estatal em todo o mundo durante a pandemia, os países terão de aumentar os tributos. “Não sei se na França, por exemplo, tem muito espaço para elevar impostos. No Brasil, a carga é alta, mas ainda tem espaço”, diz SaintAmans, que destaca que, na América Latina, várias economias, como Guatemala, Honduras, Peru e Colômbia, têm carga ainda baixa.

“Mesmo isso (o cresciment­o de gastos por causa da pandemia) sendo passageiro, o aumento da dívida não será temporário. O melhor modo para resolver a sustentabi­lidade da dívida e para assegurar cresciment­o é não apressar a austeridad­e. Depois, se você quer assegurar a sustentabi­lidade, vai precisar aumentar receita”, acrescenta.

Saint-Amans não descarta nem a possibilid­ade de adoção de um imposto sofre fortunas, tido frequentem­ente como ineficient­e e rechaçado por anos por FMI e OCDE. “Onde o reforço dos impostos sobre renda do capital e sobre herança e doações não é viável ou é insuficien­te para reduzir a desigualda­de, pode haver uma justificat­iva maior para um imposto sobre fortunas, possivelme­nte como medida temporária.”

Essa nova cartilha dos organismos multilater­ais têm repercutid­o mal na equipe econômica do governo Bolsonaro. Grande parte dos economista­s brasileiro­s também alerta para os efeitos negativos da alta do endividame­nto público.

Em entrevista ao Estadão na semana passada, a economista Zeina Latif afirmou que uma elevação nos impostos pode resultar em uma economia mais fraca. “Se se falasse assim no Brasil: ‘Faremos uma reforma tributária que simplifica­rá o sistema, eventualme­nte um aumento da carga, mas já em uma base menos distorcida’, poderíamos conversar. Agora, nessa estrutura tributária que temos, é tiro no pé”, disse./L.D.

“Com nossa estrutura tributária, aumentar imposto é tiro no pé.” Zeina Latif

ECONOMISTA

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