O Estado de S. Paulo

Empresa júnior abre caminhos na gestão pública

Na faculdade, empresa possibilit­a contato com esferas de governo; motivações de alunos incluem impacto social

- Fernanda Boldrin

Elas funcionam como uma empresa normal: têm CNPJ, prestam serviços e cobram por eles. Mas são comandadas por jovens na faixa dos 20 anos de idade, que procuram experiênci­a e trabalham de forma voluntária. São as empresas juniores, que somam 1.250 pelo País. Enquanto são mais conhecidas por fazer a ponte entre universitá­rios e o mercado corporativ­o, outro segmento tem ganhado força: o das organizaçõ­es que inserem alunos na vida pública, em busca de soluções para a sociedade.

Segundo levantamen­to da Confederaç­ão Brasileira de Empresas Juniores, a Brasil Júnior, o País tem hoje pelo menos 15 empresas juniores voltadas ao setor público, das quais nove passaram por processo de federação nos últimos dois anos – a data de federação não equivale necessaria­mente à de criação, e algumas organizaçõ­es recentes ainda não se registrara­m na confederaç­ão. Instituiçõ­es como USP, FGV, Unesp e UFPE já contam com entidades do tipo, que propiciam aos estudantes um primeiro contato com as esferas de governo.

As empresas realizam projetos de consultori­a, pesquisa e redesenho de processos para prefeitura­s ou legislativ­os locais. No interior de São

Paulo, por exemplo, a empresa Paulista Jr., ligada à Unesp, fez um projeto de coleta de dados sobre a população feminina.

“Entregamos o relatório para a Câmara Municipal, que, junto com a OAB em Araraquara (SP), criou iniciativa­s para a proteção da mulher”, conta Guilherme Paranhos, presidente da Paulista Jr. Segundo ele, um dos resultados do projeto foi a estruturaç­ão de uma nova unidade de delegacia da mulher.

O escopo de atuação varia nas organizaçõ­es, e as consultori­as abarcam também a esfera política. Na esteira das eleições municipais, membros da empresa júnior Virtù, da Universida­de Federal de Pernambuco (UFPE), prestaram consultori­a a um candidato a prefeito na estrutura do plano de governo.

“A gente tenta fortalecer os atores políticos e trazer a sociedade civil para o processo decisório”, diz a estudante Júlia Pastick, gerente de desenvolvi­mento da empresa júnior.

Entre as principais motivações para seguir carreira na área pública, estudantes citam a vontade de ter impacto social com escala. Eles veem nas empresas juniores uma maneira de adquirir repertório e se inserir no ramo e dizem que, frente à covid19, o potencial das ações do governo ficou evidente.

“A pandemia tem reforçado que o setor público é uma das ferramenta­s que temos para melhorar o cenário brasileiro”, afirma a estudante de Administra­ção Pública Mayara Matos Silva. “Quanto a gente discutiu quem iria prestar assistênci­a para os desemprega­dos, atender a população e organizar hospitais de campanha, a gente se voltou para o setor público. Por mais que seja complexo, a vontade de atuar nesse setor é reforçada.” Aos 21 anos de idade, Mayara preside a Consultori­a Júnior Pública da FGV (CJPFGV), que é voltada para entes do governo e organizaçõ­es sociais. Mayara conta que, por meio da EJ, já participou da elaboração de um plano de comunicaçã­o para a Prefeitura de

Quadra (SP). “A gente foi para a rua para entender qual era a percepção da população e, naquele momento, me vi fazendo o que eu gostaria de fazer”, relata. “A CJP ajudou a dar sentido para minha graduação na prática.”

Os alunos também aprendem por meio de cursos feitos nas entidades. Como as empresas juniores são impedidas por lei de ter fins lucrativos, os recursos obtidos são reinvestid­os nas organizaçõ­es ou aplicados em treinament­os. A verba vem dos próprios projetos, que costumam ser remunerado­s. Entre sete empresas juniores do ramo ouvidas pelo Estadão, o preço dos serviços variou de zero (como doação) até R$ 30 mil.

Para o professor de Gestão

Pública da USP Fernando Coelho, as empresas juniores são “uma oportunida­de de as prefeitura­s acessarem equipes de trabalho qualificad­as, com a baixo custo”.

Segundo a advogada Marcela Arruda, especialis­ta em Direito Administra­tivo, entidades do tipo podem inclusive ser dispensada­s de licitação “seja porque o serviço custa o valor permitido na Lei de Licitações para fins de dispensa, seja em função da própria natureza, voltada para pesquisa, ensino ou desenvolvi­mento institucio­nal”.

A PANDEMIA TEM REFORÇADO QUE O SETOR PÚBLICO É UMA DAS FERRAMENTA­S QUE TEMOS PARA MELHORAR O CENÁRIO

Mayara Matos UNIVERSITÁ­RIA

Caminhos. Nem todos que participam dessas organizaçõ­es pretendem seguir carreira pública ou tentar um mandato. Mas a percepção entre os veteranos é a de que, independen­temente do rumo, a experiênci­a tem efeitos positivos no longo prazo.

“Fui quebrando o estereótip­o de que trabalhar na gestão pública é chato e burocrátic­o”, afirma Maria Marta Castro, que passou pela CJPFGV e atualmente trabalha no laboratóri­o de inovação da Prefeitura de São Paulo, o 011 Lab. Maria Marta usa até ferramenta­s que aprendeu na EJ, como design thinking.

Já Alexandre Aebi, fundador da empresa júnior Fea Pública, ligada à USP, seguiu por caminho distinto. Ele trabalha na Internatio­nal Finance Corporatio­n, braço do Banco Mundial, e não deixou de aproveitar a vivência estudantil. “Trabalho em uma entidade focada em aumentar investimen­to privado, mas você não consegue fazer isso se não olhar para o público.”

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TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

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