Empresa júnior abre caminhos na gestão pública
Na faculdade, empresa possibilita contato com esferas de governo; motivações de alunos incluem impacto social
Elas funcionam como uma empresa normal: têm CNPJ, prestam serviços e cobram por eles. Mas são comandadas por jovens na faixa dos 20 anos de idade, que procuram experiência e trabalham de forma voluntária. São as empresas juniores, que somam 1.250 pelo País. Enquanto são mais conhecidas por fazer a ponte entre universitários e o mercado corporativo, outro segmento tem ganhado força: o das organizações que inserem alunos na vida pública, em busca de soluções para a sociedade.
Segundo levantamento da Confederação Brasileira de Empresas Juniores, a Brasil Júnior, o País tem hoje pelo menos 15 empresas juniores voltadas ao setor público, das quais nove passaram por processo de federação nos últimos dois anos – a data de federação não equivale necessariamente à de criação, e algumas organizações recentes ainda não se registraram na confederação. Instituições como USP, FGV, Unesp e UFPE já contam com entidades do tipo, que propiciam aos estudantes um primeiro contato com as esferas de governo.
As empresas realizam projetos de consultoria, pesquisa e redesenho de processos para prefeituras ou legislativos locais. No interior de São
Paulo, por exemplo, a empresa Paulista Jr., ligada à Unesp, fez um projeto de coleta de dados sobre a população feminina.
“Entregamos o relatório para a Câmara Municipal, que, junto com a OAB em Araraquara (SP), criou iniciativas para a proteção da mulher”, conta Guilherme Paranhos, presidente da Paulista Jr. Segundo ele, um dos resultados do projeto foi a estruturação de uma nova unidade de delegacia da mulher.
O escopo de atuação varia nas organizações, e as consultorias abarcam também a esfera política. Na esteira das eleições municipais, membros da empresa júnior Virtù, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), prestaram consultoria a um candidato a prefeito na estrutura do plano de governo.
“A gente tenta fortalecer os atores políticos e trazer a sociedade civil para o processo decisório”, diz a estudante Júlia Pastick, gerente de desenvolvimento da empresa júnior.
Entre as principais motivações para seguir carreira na área pública, estudantes citam a vontade de ter impacto social com escala. Eles veem nas empresas juniores uma maneira de adquirir repertório e se inserir no ramo e dizem que, frente à covid19, o potencial das ações do governo ficou evidente.
“A pandemia tem reforçado que o setor público é uma das ferramentas que temos para melhorar o cenário brasileiro”, afirma a estudante de Administração Pública Mayara Matos Silva. “Quanto a gente discutiu quem iria prestar assistência para os desempregados, atender a população e organizar hospitais de campanha, a gente se voltou para o setor público. Por mais que seja complexo, a vontade de atuar nesse setor é reforçada.” Aos 21 anos de idade, Mayara preside a Consultoria Júnior Pública da FGV (CJPFGV), que é voltada para entes do governo e organizações sociais. Mayara conta que, por meio da EJ, já participou da elaboração de um plano de comunicação para a Prefeitura de
Quadra (SP). “A gente foi para a rua para entender qual era a percepção da população e, naquele momento, me vi fazendo o que eu gostaria de fazer”, relata. “A CJP ajudou a dar sentido para minha graduação na prática.”
Os alunos também aprendem por meio de cursos feitos nas entidades. Como as empresas juniores são impedidas por lei de ter fins lucrativos, os recursos obtidos são reinvestidos nas organizações ou aplicados em treinamentos. A verba vem dos próprios projetos, que costumam ser remunerados. Entre sete empresas juniores do ramo ouvidas pelo Estadão, o preço dos serviços variou de zero (como doação) até R$ 30 mil.
Para o professor de Gestão
Pública da USP Fernando Coelho, as empresas juniores são “uma oportunidade de as prefeituras acessarem equipes de trabalho qualificadas, com a baixo custo”.
Segundo a advogada Marcela Arruda, especialista em Direito Administrativo, entidades do tipo podem inclusive ser dispensadas de licitação “seja porque o serviço custa o valor permitido na Lei de Licitações para fins de dispensa, seja em função da própria natureza, voltada para pesquisa, ensino ou desenvolvimento institucional”.
A PANDEMIA TEM REFORÇADO QUE O SETOR PÚBLICO É UMA DAS FERRAMENTAS QUE TEMOS PARA MELHORAR O CENÁRIO
Mayara Matos UNIVERSITÁRIA
Caminhos. Nem todos que participam dessas organizações pretendem seguir carreira pública ou tentar um mandato. Mas a percepção entre os veteranos é a de que, independentemente do rumo, a experiência tem efeitos positivos no longo prazo.
“Fui quebrando o estereótipo de que trabalhar na gestão pública é chato e burocrático”, afirma Maria Marta Castro, que passou pela CJPFGV e atualmente trabalha no laboratório de inovação da Prefeitura de São Paulo, o 011 Lab. Maria Marta usa até ferramentas que aprendeu na EJ, como design thinking.
Já Alexandre Aebi, fundador da empresa júnior Fea Pública, ligada à USP, seguiu por caminho distinto. Ele trabalha na International Finance Corporation, braço do Banco Mundial, e não deixou de aproveitar a vivência estudantil. “Trabalho em uma entidade focada em aumentar investimento privado, mas você não consegue fazer isso se não olhar para o público.”