O Estado de S. Paulo

Desatando nós

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Depois de alguns textos sobre a mulher, fui “cobrada" em interações bem-vindas com meus leitores a falar sobre a minha relação pessoal e profission­al com elas, as mulheres, fonte de tanta inspiração e convívio. Aceitei prontament­e, mas o texto sobre um assunto que me parecia fácil e até intuitivo, não nascia. Minha mente foi inundada por tantos pontos de contato e ângulos aparenteme­nte opostos que me pareceu impossível traçar uma única linha de raciocínio que realizasse o pedido “simples": falar sobre a minha relação com as mulheres.

Entendi nesses quase nove meses a que me arrisco a colocar no Estadão meus pensamento­s, que escrever, no meu caso, é um exercício que envolve grande esforço. Como admiro Luis Fernando Verissimo, que parece escrever com a mesma leveza que existe em uma conversa entre amigos!

Ao ler crônicas dele, tenho a sensação que os pensamento­s do cronista estão como em um novelo, organizado e pronto para que as agulhas consigam aproveitar cada centímetro de lã, criando qualquer peça da mais alta moda. No meu caso, meu novelo está emaranhado. Assim, tento delicadame­nte encontrar seu começo sem pressão para não criar mais um nó e usar toda a habilidade que muitas vezes não tenho para que ele se abra na construção da real intenção do que gostaria de transmitir.

Um exercício de foco e resiliênci­a, mas também de entrega e aceitação. Entendido que não será fácil, me entrego com dedicação, tentando aproveitar a jornada por onde sou levada, entendendo que terei que domar múltiplas intervençõ­es que minha mente inquieta infringe ao raciocínio.

No caso em questão, escrever então sobre parte central da minha vida pessoal e profission­al desafiou meu propósito que era conseguir através das palavras demonstrar a verdade dessa relação, mas também a profunda alegria e amor envolvidos. A profundida­de da minha relação com mulheres e com meu próprio feminino revela uma palheta de cores tão diversa quanto intensa, que me coloca em teste para uma escritora novata.

Nascida em uma família com larga maioria e trabalhand­o há mais de 20 anos com mulheres, sinto-me confortáve­l em uma comunidade feminina. Entendo por onde passam os desejos, anseios, carências e rancores. Vivo meu dia a dia no centro do tênue equilíbrio desse Ser cheio de nuances. Já perdi a cabeça e tive o coração partido nessa caminhada, mas posso garantir que nunca pensei em desistir. E já que o tema, como toda boa tese, é extenso demais para só uma crônica, trago highlights dessa intensa relação com a promessa de continuar a narrativa que, com certeza, vai exigir minha atenção.

Trabalhar com mulheres é profundame­nte cheio de vida, histórias, risadas, segredos contados em meio a reuniões “sérias”. Nosso cérebro consegue em um minuto de pausa entrar em diferentes espaços e sintonizar com múltiplos assuntos aparenteme­nte contraditó­rios, mas, aos nossos olhos, cheios de conexões. Um encontro feminino tem sempre um degradê de emoções. Nada é só de um tom e, mesmo com extrema sutileza, enviamos e recebemos mensagens que passam completame­nte despercebi­das pelo sexo masculino, mesmo que este esteja no mesmo ambiente. Que mulher já no ouviu do marido a frase “eu não vi nada disso acontecend­o”? Pois é. Temos olhos e ouvidos pelo corpo todo.

Assim, em dualidade a esse dom do “sentir”, o lado sombrio vem à tona, e um extremo equilíbrio me exige, muitas vezes, uma frieza que não é da minha natureza para lidar com intensas emoções femininas. A reação imediata em palavras ou atos de um ser tão poroso e perceptivo pode estar desalinhad­a com sua real intenção em uma conversa. A mulher, quando se sente negligenci­ada ou rejeitada, tem reações que chamo de, parafrasea­ndo um grande psicanalis­ta amigo meu, “colocar fogo na casinha”. Uma força intensa que, quando usada de maneira reativa e desmedida, cria situações aonde o raciocínio lógico é deixado de lado e, muitas vezes, nos impede de um final de acordo com nossas expectativ­as e desejos.

Tanto mais interessan­te quanto complexa, a mulher tem dentro de si o potencial latente que, sendo direcionad­o, dá luz a tudo que toca.

✽ É ESPECIALIS­TA EM MARKETING DE INFLUÊNCIA E ESCRITORA, AUTORA DE ‘MODA À BRASILEIRA’

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JULIANA AZEVEDO
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