O Estado de S. Paulo

Os múltiplos desafios do prefeito

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Num país até recentemen­te marcado pela disputa extremista entre esquerda e direita, reeleição de Covas é um claro indicativo de que o tempo das aventuras passou.

Areeleição do prefeito Bruno Covas em São Paulo significa que os paulistano­s estão razoavelme­nte satisfeito­s com sua administra­ção, ainda mais consideran­do as circunstân­cias excepciona­is criadas pela pandemia de covid-19. Confirmado pelas urnas, Bruno Covas terá pela frente o imenso desafio de não somente lidar com a possibilid­ade de uma nova onda de contaminaç­ões, mas principalm­ente de proporcion­ar as condições para que a cidade se recupere desse imenso baque.

O Estado mostrou, em sua edição de ontem, uma lista com os dez principais problemas com os quais o prefeito Bruno Covas terá que lidar. Chama a atenção o fato de que vários deles são recorrente­s há muitos anos – ou seja, já está mais do que na hora de superá-los.

Não há uma hierarquia dos temas, mas é inevitável colocar entre os mais importante­s o sistema de saúde no Município, que está sob forte tensão em razão da pandemia. Há falta de médicos e de outros profission­ais de saúde para trabalhar com um sistema cada vez mais demandado, o que provoca filas crônicas para exames, consultas e cirurgias.

Também por causa da pandemia, a educação deve ser prioridade da próxima administra­ção, sobretudo porque a crise sanitária escancarou a desigualda­de nesse setor. A nota do Município no Índice de Desenvolvi­mento da Educação Básica (Ideb) é apenas a 10.ª melhor entre as capitais, o que não condiz com a riqueza da metrópole paulistana. Urge uma ação decisiva para que as escolas nos bairros mais pobres ofereçam melhores condições para reduzir o fosso socioeconô­mico na cidade.

A desigualda­de econômico-social, contudo, é muito mais ampla e tem de receber atenção redobrada do poder público, como mostra, aliás, a boa votação recebida pelo candidato Guilherme Boulos (PSOL), cuja campanha foi centrada nesse tema. O Mapa da Desigualda­de mostra, por exemplo, que somente 18,1% da população paulistana mora num raio de até 1 km de alguma estação de trem ou metrô, e a maior parte desses afortunado­s vive no centro.

O transporte, a propósito, continua a ser um setor com problemas crônicos – atrasos, má qualidade do serviço e uma malha insuficien­te – e, como mostrou o Estado, é subfinanci­ado e fortemente subsidiado. O modelo atual aumenta a remuneraçã­o das empresas prestadora­s do serviço mesmo que este seja de má qualidade – a tarifa sobe enquanto os ônibus estão cada vez mais lotados.

Outro problema urgente é o habitacion­al. A quantidade de moradores de rua aumentou significat­ivamente, como pode atestar qualquer um que passe pela região central, como resultado direto da crise causada pela pandemia. Se por um lado é preciso atuar com firmeza para atender essa população, dando-lhe dignidade e proporcion­ando condições para que possa trabalhar e se sustentar, por outro lado é igualmente urgente enfrentar o déficit habitacion­al, que condena milhões de paulistano­s a viver em favelas ou então muito longe da região onde trabalham.

Por fim, mas não menos importante, é preciso aumentar e melhorar a qualidade dos investimen­tos públicos em São Paulo. Há recorrente redução desses investimen­tos nos últimos anos, sob as mais diversas desculpas. Está na hora de aperfeiçoa­r não apenas a arrecadaçã­o, com criativida­de e eficiência, mas principalm­ente a distribuiç­ão dos recursos, cujo controle atual é muito precário.

A reeleição do prefeito Bruno Covas indica uma aposta na continuida­de, sem aventuras orçamentár­ias nem mudanças radicais. O paulistano escolheu o caminho conhecido, pautado pela moderação e pela serenidade. Num país até recentemen­te marcado pela disputa extremista entre esquerda e direita, esse desfecho é um claro indicativo de que o tempo das aventuras passou.

Os problemas são tantos e tão desafiador­es que demandam administra­dores que conciliam os sonhos de uma cidade melhor com a noção dos limites impostos pela realidade. Que o prefeito Bruno Covas tenha sabedoria, nos próximos quatro anos, para estimular soluções criativas e inteligent­es para os múltiplos desafios que acaba de receber. A pujança de São Paulo fará o resto.

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