Os múltiplos desafios do prefeito
Num país até recentemente marcado pela disputa extremista entre esquerda e direita, reeleição de Covas é um claro indicativo de que o tempo das aventuras passou.
Areeleição do prefeito Bruno Covas em São Paulo significa que os paulistanos estão razoavelmente satisfeitos com sua administração, ainda mais considerando as circunstâncias excepcionais criadas pela pandemia de covid-19. Confirmado pelas urnas, Bruno Covas terá pela frente o imenso desafio de não somente lidar com a possibilidade de uma nova onda de contaminações, mas principalmente de proporcionar as condições para que a cidade se recupere desse imenso baque.
O Estado mostrou, em sua edição de ontem, uma lista com os dez principais problemas com os quais o prefeito Bruno Covas terá que lidar. Chama a atenção o fato de que vários deles são recorrentes há muitos anos – ou seja, já está mais do que na hora de superá-los.
Não há uma hierarquia dos temas, mas é inevitável colocar entre os mais importantes o sistema de saúde no Município, que está sob forte tensão em razão da pandemia. Há falta de médicos e de outros profissionais de saúde para trabalhar com um sistema cada vez mais demandado, o que provoca filas crônicas para exames, consultas e cirurgias.
Também por causa da pandemia, a educação deve ser prioridade da próxima administração, sobretudo porque a crise sanitária escancarou a desigualdade nesse setor. A nota do Município no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é apenas a 10.ª melhor entre as capitais, o que não condiz com a riqueza da metrópole paulistana. Urge uma ação decisiva para que as escolas nos bairros mais pobres ofereçam melhores condições para reduzir o fosso socioeconômico na cidade.
A desigualdade econômico-social, contudo, é muito mais ampla e tem de receber atenção redobrada do poder público, como mostra, aliás, a boa votação recebida pelo candidato Guilherme Boulos (PSOL), cuja campanha foi centrada nesse tema. O Mapa da Desigualdade mostra, por exemplo, que somente 18,1% da população paulistana mora num raio de até 1 km de alguma estação de trem ou metrô, e a maior parte desses afortunados vive no centro.
O transporte, a propósito, continua a ser um setor com problemas crônicos – atrasos, má qualidade do serviço e uma malha insuficiente – e, como mostrou o Estado, é subfinanciado e fortemente subsidiado. O modelo atual aumenta a remuneração das empresas prestadoras do serviço mesmo que este seja de má qualidade – a tarifa sobe enquanto os ônibus estão cada vez mais lotados.
Outro problema urgente é o habitacional. A quantidade de moradores de rua aumentou significativamente, como pode atestar qualquer um que passe pela região central, como resultado direto da crise causada pela pandemia. Se por um lado é preciso atuar com firmeza para atender essa população, dando-lhe dignidade e proporcionando condições para que possa trabalhar e se sustentar, por outro lado é igualmente urgente enfrentar o déficit habitacional, que condena milhões de paulistanos a viver em favelas ou então muito longe da região onde trabalham.
Por fim, mas não menos importante, é preciso aumentar e melhorar a qualidade dos investimentos públicos em São Paulo. Há recorrente redução desses investimentos nos últimos anos, sob as mais diversas desculpas. Está na hora de aperfeiçoar não apenas a arrecadação, com criatividade e eficiência, mas principalmente a distribuição dos recursos, cujo controle atual é muito precário.
A reeleição do prefeito Bruno Covas indica uma aposta na continuidade, sem aventuras orçamentárias nem mudanças radicais. O paulistano escolheu o caminho conhecido, pautado pela moderação e pela serenidade. Num país até recentemente marcado pela disputa extremista entre esquerda e direita, esse desfecho é um claro indicativo de que o tempo das aventuras passou.
Os problemas são tantos e tão desafiadores que demandam administradores que conciliam os sonhos de uma cidade melhor com a noção dos limites impostos pela realidade. Que o prefeito Bruno Covas tenha sabedoria, nos próximos quatro anos, para estimular soluções criativas e inteligentes para os múltiplos desafios que acaba de receber. A pujança de São Paulo fará o resto.